10/03/2016
Por Ricardo AbramovayFrugalidade e autocontenção não podem ser o eixo estratégico do desenvolvimento sustentável Que o mundo atual é marcado por imenso desperdício e que os padrões de consumo contemporâneos ameaçam a oferta dos serviços ecossistêmicos de que todos dependemos, disso não há dúvida. Mas é ilusório o caminho que preconiza fundamentalmente limites no consumo e na produção como premissa para que as atividades econômicas deixem de destruir as bases biofísicas de sua própria existência. O que as sociedades de hoje precisam (mesmo nos países mais ricos do mundo) não é de decrescimento: é de ciência, tecnologia e democracia. Nestas três palavras encontra-se a essência de uma revolução verde já em curso, que orienta o essencial da inovação dos dias de hoje, atingindo a energia, a infraestrutura, a gestão dos resíduos, a agricultura, a mobilidade, a construção civil, e o próprio desenho das cidades. O que está em jogo não é a quantidade e sim a qualidade do crescimento. Ou como diz Ralf Fücks em seu livro recém traduzido para o inglês e prefaciado por Anthony Giddens: “a questão não é se a economia global vai continuar a crescer mas como ela vai crescer”.
Ralf Fücks, dirigente do Partido Verde alemão, ex-deputado pelo Estado de Bremen e protagonista de várias das iniciativas que colocaram seu país na vanguarda global das energias renováveis, parte de uma premissa hoje cada vez mais aceita tanto nos estudos de psicologia climática como em segmentos importantes da filosofia que se voltam à formulação de uma ética do antropoceno: em vez de procurar incutir nas pessoas medo e culpa por seu consumo, é preciso encontrar soluções para as aspirações das centenas de milhões de indivíduos que estão ingressando em novos mercados e dos bilhões que ainda estão por vir. Claro que isso não significa e não pode significar mais carros nas ruas, maior ingestão daquilo que está provocando a epidemia global de obesidade, mais obsolescência planejada e maior fragmentação urbana. O crescimento inteligente e verde de Ralf Fücks não é uma dócil adaptação às mudanças graduais pelas quais as sociedades estão passando. Ele supõe duas rupturas fundamentais.
A primeira delas é de natureza político-cultura e está nos três capítulos iniciais dos oito que compõem o livro. Da Torre de Babel ao Fausto de Goethe, passando pelo título da novela de Mary Shelley (Frankenstein: o Prometeu Moderno), Fücks mostra a forma ambivalente como a cultura ocidental, desde os gregos, enxerga a capacidade humana de transformar a natureza. “Ao final, virá a aniquilação”, afirma Mefistófeles, o herói de Goethe que encara as finanças, a indústria e a domesticação da natureza como formas de progresso que conduzem inelutavelmente à catástrofe. Da mesma maneira, o que marca o gênio de Frankenstein é que a criatura escapa ao controle do criador, uma alusão à perigosa separação entre progresso técnico e imperativos morais . Diógenes em seu barril, fazendo da riqueza sinônimo de escravidão e Ulisses resistindo ao canto das sereias são outros exemplos, vindos dos gregos, dos fundamentos culturais que deram origem, sobretudo ao final dos anos 1960, ao movimento que passa a ver o consumo e a incessante expansão produtiva em que ele se assenta como antecâmaras da destruição.
No segundo capítulo do livro, Fücks mostra como esta cultura se liga ao ceticismo com a democracia e ao flerte intelectual com soluções autoritárias por parte de importantes figuras ligadas à tese do decrescimento, nomeadamente o casal Dennis e Donnella Meadow e Jørgen Randers, autores do célebre informe do Clube de Roma (Limites ao Crescimento) de 1972.
A segunda ruptura a que leva a ideia de crescimento verde consiste em transformar o atual modo de produção. Não se trata de suprimir mercados e empresas, mas de acelerar as mudanças capazes de oferecer bens e serviços sobre a base do consumo cada vez menor de energia e materiais. Este desacoplamento, na Grã-Bretanha e na França, só foi possível pela migração destrutiva em direção à China por que passou o setor industrial destes países. Mas não é esse o caso da Alemanha, cuja indústria não cessa de crescer, consumindo, entretanto, em termos absolutos, cada vez menos energia, com menos emissões e menor uso de materiais.
A essência da revolução industrial verde preconizada por Ralf Fücks está na bioeconomia, no esforço de fazer da luz solar “a fonte primeira de toda a produção e de todo o consumo”. Muito mais do que placas solares, o autor mostra os progressos extraordinários alcançados pela biomimética, pela biorobótica e pela biogenética. Em torno destas diferentes formas de aprendizagem e de uso sustentável da natureza se organiza uma disciplina, a biônica (bionics em inglês), assim definida pela Associação de Engenheiros da Alemanha: “é uma disciplina científica que visa converter as estruturas, os processos e os princípios de desenvolvimento dos sistemas biológicos em tecnologia”. Só na Alemanha, setenta institutos de pesquisa e universidades orientam-se por programas de pesquisa ligados ao tema (http://www.biokon.de/).
A revolução verde de Fücks não deve ser confundida com uma crença cega e mágica no poder da ciência e da técnica. Sua inspiração filosófica maior está no trabalho de Ernst Bloch para quem a tecnologia operou na natureza, até aqui, como um exército inimigo. O que agora está emergindo, segundo Bloch, é uma relação cooperativa entre sociedade e natureza, que pode dar lugar a uma economia regenerativa, capaz de reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa e o uso de energia e de materiais na oferta de bens e serviços.
O pilar ético do trabalho de Fücks é o mesmo em que se apoiam os autores ligados ao decrescimento, ou seja, a noção de limites. Ao contrário deles, porém, Fücks procura demonstrar que pode ser promissora uma vida social que, desenvolvendo a ciência, a tecnologia e aprofundando a democracia, faz da cooperação com a natureza a base do crescimento econômico e da prosperidade.
Fonte: Valor Econômico
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