Por Pedro Ribeiro de Oliveira
Nesse dia seis de janeiro, ao celebrar com a Folia de Reis a
visita dos Magos ao menino que amedrontou Herodes, me veio o gosto
amargo da derrota sofrida em Imbituba, há apenas uma semana: Herodes
mandou degolar mais um menino. Com o requinte de crueldade de ser a
criança atacada justamente onde nos sentimos maior segurança – o colo
materno.
Se Vitor fosse branco e estivesse com a família em uma praça do
Rio ou São Paulo, o crime hediondo estaria em todos os noticiários e
provocaria repulsa maior do que as fotos de prisioneiros prestes a serem
degolados por terroristas do Estado Islâmico. Mas Vitor é Kaingang e só
foi morto porque índio não tem valor para a sociedade capitalista. Não
se sabe até o momento de quem é a mão que passou o estilete mortal na
garganta do menino. Sabemos, porém, quem são os mandantes do
assassinato: grandes proprietários e proprietárias de terra que não
respeitam o direito dos Povos Indígenas a terem seu próprio modo de
produção e de consumo. Tal como o Herodes bíblico, eliminam até mesmo
crianças que possam um dia ameaçar seu poder econômico.
Em outros tempos a Igreja católica não ficaria em silêncio diante
de um crime como esse. A nota do CIMI seria acompanhada de uma nota dos
bispos e repercutiria por dezenas de milhares de comunidades de base de
todo o Brasil. Celebraríamos os Reis magos, com certeza, mas não
deixaríamos em silêncio o crime cometido por Herodes apenas uma semana
antes. Pediríamos perdão por não termos evitado, com uma legislação e
uma educação corretas, o preconceito contra os povos indígenas e nos
comprometeríamos com os Santos Reis a tomar outro rumo nos caminhos da
história. O sofrimento daquela pequena família Kaingang ao ver seu filho
caçula esvaindo-se em sangue deveria dar um sentido mais realista à
celebração da Epífania: aprender com os Santos Reis da bela tradição
popular, a ver naquela criança degolada o anúncio da Libertação dos
Povos Indígenas.
Que neste ano da Misericórdia, ao passar pela porta do jubileu e
entrarmos numa igreja, sejamos chamados à conversão e saiamos pela mesma
porta para assumir a defesa da Vida das crianças Kaingang, Kayová,
Mundurucu e de todos os outros povos que há quinhentos anos querem nos
ensinar a viver em Paz com eles.
Fonte: Leonardo Boff
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