sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Teoria do decrescimento pode ser solução para desastres socioambientais que não param de acontecer?

24/03/2016
Notícias sobre a absoluta irresponsabilidade contra o meio ambiente e as pessoas, que norteiam algumas produções industriais, são quase corriqueiras. Qualquer recorte que se faça na mídia, lá estarão dados que vão dando um desconforto danado para quem se preocupa e acompanha de perto o eterno dilema entre crescimento econômico, preservação da natureza e bem-estar das pessoas. Desde a segunda metade do século passado, os homens começaram a perceber que suas atividades estavam atacando recursos finitos. A partir daí, começaram  a surgir correntes de pensamento, longe da ortodoxia, que tentam dar uma – ou várias – soluções para o dilema.

Enquanto isso, porém, o que nos resta é ir acompanhando de perto alguns dos desastres. Reproduzo abaixo registros mais recentes porque acredito no poder da informação para provocar reflexões e mudanças:
1) A Peroperu, empresa estatal de petróleo do Peru, foi  responsável por dois derramamentos de óleo graves em dois afluentes do Rio Amazonas, os rios Chiriaco e Morona. O primeiro aconteceu no fim de janeiro, o outro agora, em fevereiro. A empresa está agindo, contratou indígenas e ribeirinhos para ajudarem a limpar as águas, a quem paga 250 dólares. E, como sempre acontece, transformou esse “esforço hercúleo para consertar o erro” num vídeo institucional, onde o presidente da firma aparece em mangas de camisa, num discurso quase eleitoral.  Bem a gosto do marketing corporativo.  O local do vazamento, felizmente, fica a 900 km da entrada do rio Amazonas no Brasil, o que, dessa vez, pode nos deixar tranquilos. A origem do erro ainda vai ser diagnosticada, mas os furos no oleoduto, segundo a empresa, já foi consertado.  Há especialistas alertando para o fato de que não, ainda não foi consertado. Cerca de dez mil indígenas tiveram o abastecimento de água prejudicado e a empresa também parece estar cuidando disso, segundo o vídeo que publicou no site.

2) Na mesma Amazônia, na parte que fica no Equador, mais de 30 mil povos indígenas estão em guerra contra a Chevron pelo que já está sendo chamado de maior desastre ambiental da história da humanidade. Em 2011, a Suprema Corte do Equador ordenou a empresa a pagar mais de 9 bilhões de dólares para compensar as vítimas e para limpar suas terras. Mas a corporação recorre sempre e se vale de um recurso muito usado pelas transnacionais:  quando acontece um problema num país elas tiram de lá sua sede. A situação está tão crítica que já há na internet uma petição de ajuda às “vítimas do Equador”.

3)Na Cidade do México, comunidades ribeirinhas e indígenas entregaram uma carta ao Papa Francisco pedindo que o Sumo Pontífice interceda junto ao governo daquele país para frear a construção da Hidrelétrica de Las Cruces no Rio San Pedro Mezquital. As queixas contra a obra já são velhas conhecidas: ameaça à cultura do povo, danos irreversíveis à região, que fica num pântano. Trata-se de uma das regiões mais úmidas do México, que fatalmente perderá essa característica depois da obra. Em sua defesa, os indígenas lembraram a Encíclica Papal do ano passado, onde Francisco reconhece a importância dos povos tradicionais como cuidadores das regiões que habitam. E sugere, para usar um termo bem leve, que antes de qualquer obra dessa magnitude tais povos sejam ouvidos.

Minha lista ainda pode incluir o crime ambiental cometido contra um município inteiro, Bento Ribeiro, em Mariana, por causa de má gestão da Samarco. E outro vazamento, de proporções menores mas nem por isso menos danosas, que ocorreu contra o Rio Paraíba na cidade paulista de Jacareí causado também por falha na produção da Rolando Comércio de Areia.

Poderia registrar aqui ainda mais casos se me detivesse um pouco mais em sites especializados, mas não é esse o objetivo. Como sempre, proponho a reflexão e, para tentar avançar um pouco, busco os pensamentos de estudiosos que se dedicam à causa. Lançado em 2012 pela Ed. Garamond e pelo Institut de Recherche pour le Dévelopment, o livro “Enfrentando os limites do crescimento” traz 25 artigos. Um deles, escrito pelo sociólogo e filósofo franco-brasileiro Michael Lowy, defende o movimento chamado ecossocialismo, que se opõe ao socialismo “não ecológico” e se coloca como uma alternativa radical às regras de acumulação de capital que geram outra perspectiva, que não a lógica do lucro e da mercadoria.

Para Lowy, desastres ambientais como esses que listei aqui, não podem ser mais entendidos apenas como “má vontade” de tal ou qual multinacional ou governo. Há, segundo ele, uma lógica “intrinsecamente perversa do sistema capitalista, baseado na concorrência impiedosa, nas exigências de rentabilidade, na corrida atrás do lucro rápido”. E essa lógica estaria colaborando para destruir massivamente aquilo que o Brasil tem de diferencial para outros países, que é a vastidão de meio ambiente. Lowy cita Chico Mendes como exemplo de um “combatente heróico” e conclama a organização consciente de estratégias ecossocialistas: “uma estratégia de luta em que vão convergindo as lutas sociais e as lutas ecológicas”.

Na mesma publicação, Andrei Cechin, mestre em Ciência Ambiental, reflete em cima da contribuição que o economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen, considerado o fundador da bioeconomia e pioneiro na ideia de decrescimento dá ao conceito de desenvolvimento sustentável. Essa expressão, veiculada pelo relatório “Nosso Futuro Comum” - produto final da Comissão Brundtland, organizada pela ex-primeira ministra da Noruega Gro Brundtland, a pedido da ONU, de 1984 a 1987 – teria enterrado a incompatibilidade entre crescimento econômico contínuo e preservação da natureza.

“Pode haver crescimento com diminuição de riqueza se esse crescimento ocorrer, por exemplo, à custa da depredação de florestas inteiras ou dos depósitos de petróleo que demoraram milhões de anos para se formarem”, lembra Cechin.

Surgem, assim, teorias e pensamentos que se pretendem alavancas de uma mudança real nos meios de produção e consumo para que se consiga minimizar ou mesmo extinguir desastres ambientais que causam tanta degradação também aos humanos. O “Bem Viver”  (l) é um deles e chama a atenção para um “mercantilismo ambiental que adota nomes como “economia verde” e “desenvolvimento sustentável”. O decrescimento é outra teoria, abraçada por Georgescu, que já tem até partido político na França, o Parti Pour La Décroissance (PPLD), criado em 2006. Recentemente houve uma Conferência Internacional sobre Decrescimento Econômico para a Sustentabilidade Ambiental e Equidade Social (veja aqui)  e a Comissão de Desenvolvimento Sustentável do governo britânico gerou um relatório chamado “Prosperidade sem crescimento” que confirma o dilema com o qual a humanidade está se defrontando. Pelo menos seguindo padrões atuais, não há como um crescimento ser sustentável.

Há uma forte preocupação, nesse movimento, em considerar a diversidade econômica entre os países e, ao mesmo tempo, a certeza de que o decrescimento das atividades poluidoras no mundo é uma necessidade inadiável, inclusive porque a maioria dos desastres promovidos por essas atividades acontece, justamente, nos países mais pobres. Mas o que mais me atrai nele é outro detalhe muito reforçado pelos mentores: o progresso humano sem crescimento da economia é possível. A ideia de não ver os humanos como empecilhos, e sim como solução, pode ser o início de um processo real da mudança que se quer.

Fonte: G1, por Amelia Gonzales do G1

'Bem viver', o conceito que imagina outros mundos possíveis, já se espalha pelas nações -

24/03/2016
Como prometi, volto ao tema “Bem Viver”, sobre o qual comentei no último post  após ter mergulhado no livro “O Bem Viver”, de Alberto Acosta (Ed. Autonomia Literária e Elefante) nesse fim de semana. Devo dizer que foi uma ótima leitura, que me possibilitou boas reflexões, mesmo sob os acordes carnavalescos precoces  aqui debaixo da minha janela.  Acosta liga pontos que, na visão de muitos autores citados por ele, colaboraram para que a situação chegasse à tremenda desigualdade social, à tremenda devastação ambiental, à crise econômica e política que vemos hoje no mundo inteiro. E que pavimentaram o caminho que vai da euforia pelo desenvolvimento – fenômeno que começou depois do fim da II Guerra -  para o desencanto pelo mesmo desenvolvimento, que tem alcançado os dias atuais. O desenvolvimento, na visão do conceito “Bem Viver”, ocidentalizou a vida no planeta.

A difusão de padrões de consumo já inconcebíveis; as máquinas nos transformando em simples ferramentas, quando a relação deveria ser inversa; a eterna superioridade dos colonizadores, que se sentem legitimados a desqualificar conhecimentos de povos tradicionais. São questões pensadas no livro.

O “Bem Viver” chama atenção para algumas armadilhas, como o “mercantilismo ambiental exacerbado há várias décadas e que não contribuiu para melhorar a situação”. Entram aí os conceitos de “economia verde”, “desenvolvimento sustentável” que têm sido apenas uma espécie de “maquiagem desimportante e distrativa”. Os indicadores ambientais e sociais, que surgem em profusão, não conseguem chegar a um acordo e, na visão de Acosta, “acabam por cercear ideias inovadoras”.

É importante, aqui, dizer que Alberto Acosta, o autor que propõe uma ruptura civilizatória e oferece os caminhos para isso, em 2007 pôs os Direitos da Natureza na Constituição do Equador, um feito inédito no mundo. É economista, foi um dos responsáveis pelo plano de governo da Alianza País, partido encabeçado por Rafael Correa, presidente desde então. Acosta foi também Ministro de Energia e Minas do Equador. Mas se distanciou do governo de Correa justamente na fase de implantação da Constituinte.

“É verdade que na Constituição equatoriana se tensionam os dois conceitos – Bem Viver e Desenvolvimento – mas não é menos verdade que os debates na Assembleia Constituinte, que, de alguma maneira, ainda continuam, foram posicionando a tese do Bem Viver como alternativa ao desenvolvimento. No entanto, deve ficar claro que o governo equatoriano utilizou o ‘Buen Vivir’ como um slogan para propiciar uma espécie de retorno ao desenvolvimento”, escreve Acosta.

A base do pensamento do “Bem Viver” é indígena.  Entre as muitas contribuições sobre o tema aceitos pelos organizadores do pensamento, há reflexões da comunidade Sarayaku, na província de Pastaza, Equador, onde se elaborou um “plano de vida” que sintetiza princípios fundamentais do “Bem Viver”.

É difícil resumir a proposta desse conceito porque ele vai de um polo a outro, o que torna a minha tarefa aqui bem complexa. O “Bem Viver”, além de fazer parte da constituição do Equador e da Bolívia, tem sido debatido em outras partes do mundo. Países europeus, como Espanha e Alemanha, já têm seguidores desse conceito. Mas, antes que haja uma confusão, é bom dizer: não se trata de estimular o “dolce far niente”, a arte de não fazer nada. Como está escrito no subtítulo do livro, a questão aqui é imaginar outros mundos possíveis, tarefa que, por sinal, vem sendo tentada pela humanidade desde sempre. Em alguns momentos, lendo o livro de Acosta, recordei trechos do “Nosso Futuro Comum”, relatório final da longuíssima reunião proposta pelas Nações Unidas e conduzida por Gro Brundtland, ex-primeira-ministra da Noruega, de 1984 a 1987.

Sendo assim, em vez de alongar-me em comentários sobre o conceito, passo a descrever algumas das principais propostas do “Bem Viver”.

1) Não é mais uma ideia de desenvolvimento alternativo dentro de uma longa lista de opções:  apresenta-se como uma alternativa a todas elas e se fundamenta na construção de um estado plurinacional e eminentemente participativo. A tarefa, complexa, é aprender desaprendendo, aprender e reaprender ao mesmo tempo.

2) O convite é para se ter clareza, antes de mais nada, sobre o que são os horizontes de um estado plurinacional. Com isso, propõe-se construir uma nova história, uma nova democracia, pensada e sentida a partir do respeito aos povos originários, à diversidade, à natureza .

3) Como se propõe a ser uma alternativa ao desenvolvimento, o “Bem Viver” exige outra economia, sustentada nos princípios de solidariedade e reciprocidade, responsabilidade, integralidade. O objetivo é construir um sistema econômico sobre bases comunitárias, orientadas por princípios diferentes dos que propagam o capitalismo ou o socialismo. Será preciso uma grande transformação, não apenas nos aparatos produtivos, mas nos padrões de consumo, obtendo melhores resultados em termos de qualidade de vida. Uma lógica econômica que não se baseie na ampliação permanente do consumo em função da acumulação do capital. Há que desmontar tanto a economia do crescimento como a sociedade do crescimento. Não é só o decrescimento, ele tem de vir acompanhado de mudanças da economia.

4) Essa nova economia deve permitir a satisfação das necessidades atuais sem comprometer as possibilidades das gerações futuras, em condições que assegurem relações cada vez mais harmoniosas do ser humano consigo mesmo, dos seres humanos com seus congêneres e com a natureza. Nesse sentido, o conceito do “Bem Viver” se aproxima daquele registrado no relatório “Nosso Futuro Comum”: satisfazer as necessidades básicas de todos e estender a todos a oportunidade de satisfazer suas aspirações para uma vida melhor. 

5) Os padrões de consumo no “Bem Viver” devem olhar para um prazo longo de sustentabilidade. Os valores vão encorajar padrões de consumo dentro dos limites ecológicos possíveis e aos quais todos possam aspirar.

6)  A descentralização assume papel preponderante. Para construir, por exemplo, a soberania alimentar a partir do mundo camponês, com a participação de consumidores e consumidoras. Aqui emergem com força muitas propostas que querem recuperar a produção local com o consumo dos produtos localmente, chamadas “iniciativa zero quilômetro”. O fundamento básico  é o desenvolvimento das forças produtivas locais, controle da acumulação e centramento dos padrões de consumo.

7) Tudo deve ser acompanhado de um processo político de participação plena, de tal maneira que se construam contrapoderes com crescentes níveis de influência no âmbito local.

8) A ideia não é fomentar uma “burguesia nacional”  e voltar ao modelo de substituição de importações. Mercado interno, aqui, significa mercado de massas e, sobretudo, mercados comunitários onde predominará o “viver com o nosso e para os nossos”, vinculando campo e cidade, rural e urbano. Poderá  ser avaliado, a partir desse modelo, como participar da economia mundial.

9) As necessidades humanas fundamentais podem ser atendidas desde o início e durante todo o processo de construção do “Bem Viver”. Sua realização não seria, então, a meta mas o motor do processo.

10) Pessoas e comunidades podem viver a construção do “Bem Viver” num processo autodependente e participativo. O “Bem viver” se converte em um bem público, com um grande poder integrador, tanto intelectual como político. Fortalece processos de assembleias em espaços comunitários. Repensa profundamente os partidos e organizações políticas tradicionais.

11) O conceito fundamental é: crescimento permanente é impossível. O Lema é “melhor com menos”. Preferível crescer pouco, mas crescer bem, a crescer muito, porém mal. Tem que haver consenso e participação popular.

12) O trabalho é um direito e um dever em uma sociedade que busca o “Bem Viver”. Tem-se que pensar em um processo de redução do tempo de trabalho e redistribuição do emprego. Mas outro fetiche a ser atacado é o mercado: subordinar o estado ao mercado significa subordinar a sociedade às relações mercantis e ao individualismo. Busca-se, então, construir uma economia com mercados, no plural, a serviço da sociedade. O comércio deve se orientar e se regular a partir da lógica social e ambiental, não da lógica da acumulação do capital.

13) No “Bem Viver” os seres humanos são vistos como uma promessa, não uma ameaça. Não há que se esperar que o mundo se transforme para se avançar no campo da migração. Há que agir para provocar essa mudança no mundo.

14) Surge com força o tema dos bens comuns. Podem ser sistemas naturais ou sociais, palpáveis ou intangíveis, distintos entre si, mas comuns , pois foram herdados ou construídos coletivamente. É indispensável proteger as condições existentes para dispor dos bens comuns de forma direta, imediata e sem mediações mercantis. Tem que evitar a privatização dos bens comuns. O que se busca é uma convivência sem miséria, sem discriminação, com um mínimo de coisas necessárias. O que se deve combater é a excessiva concentração de riqueza, não a pobreza.

15) Não há que desenvolver a pessoas, é a pessoa que deve se desenvolver. Para tanto, qualquer pessoa tem que ter as mesmas possibilidades de escolha, ainda que não tenha os mesmos meios.

Fonte: G1, por Amelia Gonzales

Energia para a vida, com Ivo Poletto

24/03/2016

“Energia para a vida” é o tema da campanha que reúne entidades da sociedade civil na luta por uma nova política energética para o Brasil.

A campanha defende o uso de fontes renováveis, como o sol, os ventos e a biomassa, de forma descentralizada e com participação popular. Pretende ainda combater os combustíveis fósseis e a energia nuclear.

Para falar sobre essas lutas, o Observatório do Terceiro Setor recebe hoje Ivo Poletto, um dos articuladores da campanha.

Programa exibido na NET Cidade SP em 05/11/2014.

Há riquezas que são de todos: os bens comuns

24/03/2016
Por Ladislau Dowbor

Todos sabemos, bem ou mal, administrar os nosso bens privados, a nossa casa, eventualmente a nossa empresa, além das nossas poupanças. Sabemos administrar também, de maneira razoável, os bens claramente de responsabilidade do Estado, ou públicos no sentido estrito, como as ruas: os parques, os hospitais ou escolas públicas. Em ambos casos ocorrem deslizes mais ou menos graves, mas no conjunto são esferas onde sabemos quem é responsável.

E os bens comuns, como ficam? Estas reservas finitas de riquezas planetárias que não são bem de responsabilidade de um governo determinado nem de uma pessoa física ou jurídica, quem as governa? Trata-se aqui evidentemente das calotas polares, mas também dos oceanos e dos mares, dos nossos rios, dos lençóis freáticos de águas subterrâneas, do ar que respiramos, do conhecimento produzido pela humanidade, dos animais que ainda povoam o planeta, da beleza das paisagens e de outros bens essenciais para as nossas vidas, e que estamos maltratando ou simplesmente destruindo. Quem cuida deles? Como reverter a sua sistemática destruição ou esgotamento? Com mais de 7 bilhões de habitantes no planeta, e 80 milhões a mais a cada ano, já ultrapassamos os limites de esgotamento ou de contaminação dos recursos naturais.

O Nobel de economia de 2009 conferido a Elinor Ostrom resgata um pouco este tremendo atraso nas chamadas ciências econômicas, que é a preocupação com a gestão dos nossos bens comuns, além de resgatar um pouco de outra dívida óbvia: é a primeira vez que este prêmio, que aliás não vem do fundo Nobel e sim do Banco da Suécia, é concedido a uma mulher. Ostrom está contribuindo muito para a construção de uma outra visão. O seu livro Governing the Commons (governando os bens comuns) retomou uma discussão antiga, colocada na mesa por Garrett Hardin, ainda nos anos 1960, em artigo que se tornou um clássico, The Tragedy of the Commons.

Não se trata, no caso de Ostrom, de mais uma denúncia da tragédia ambiental. Para isto temos clássicos como O nosso futuro comum coordenado por Gro Brundtland e excelentes sínteses recentes como o Plano B 4.0 de Lester Brown, além de inúmeras pesquisas sobre todas as áreas ameaçadas. A característica dos trabalhos da autora é o fato de se debruçar de forma muito concreta sobre a economia política dos bens comuns, ou seja, o problema da sua governança. Por força dos limites da natureza, somos condenados a aprender a nos governar de maneira responsável.

Tomemos como exemplo a sua análise da água na Califórnia. É um estado rico em todos os sentidos, e em particular em ciência. No entanto, aproveitando as tecnologias que permitem irrigação e bombeamento de águas subterrâneas em grande profundidade e em grandes quantidades, geraram um drama. As tecnologias avançaram, a governança muito menos. Há muitas décadas que os californianos já discutiam os limites da água disponível, enquanto a iam esgotando, gerando o drama atual.

Ostrom mostra que os grupos privados simplesmente entraram na corrida de quem conseguia extrair mais água do que os outros – na tradicional visão da sobrevivência do mais forte – até que, a água passando a faltar para todos, tiveram de elaborar e aplicar uma outra visão de economia política: a negociação de pactos para a gestão coletiva de um recurso escasso e apenas parcialmente renovável. Este tipo de mecanismo participativo de negociação vai além tanto dos parâmetros da economia de mercado como da simples codificação impositiva através de leis e controle estatal. A sociedade precisa aprender a colaborar no uso responsável dos recursos finitos ou escassos.

O subtítulo do livro resume bem a problemática: a evolução das instituições para a ação coletiva. A Califórnia está construindo “acordos negociados sobre o direito às águas”. Fazem parte do que tem sido chamado de “novos arranjos institucionais”. No centro destes arranjos estão os sistemas que permitem uma divisão equilibrada de acesso aos recursos – o que pode envolver recursos pesqueiros, pastagens, madeira e inúmeros outros – através de sistemas participativos numa sociedade mais organizada.

A privatização obviamente não resolve: “Cada usuário tem uma estratégia dominante de bombear tanta água quanto lhe será lucrativo, e de ignorar as consequências de longo prazo para os níveis e qualidade da água.”(136) O resultado é uma economia com PIB muito elevado e excelentes centros de pesquisa, e um desastre sistêmico.

Neste ano de 2015, em que negociamos acordos de longo prazo cruciais para a sobrevivência do planeta – as Metas do Desenvolvimento Sustentável em Nova Iorque, os acordos sobre o clima em Paris e o desenho do financiamento do desenvolvimento em Addis Abeba – reler este trabalho de Elinor Ostrom, que traz dezenas de exemplos de formas inovadoras de gestão dos recursos escassos que constituem bens comuns, realmente vale a pena. Lamentavelmente, este pequeno clássico não foi publicado ainda em português, mas já existe em espanhol.

Elinor Ostrom – Governing the commons: the evolution of institutions for collective action – Cambridge University Press, Cambridge, 1990 (Prêmio Nobel 2009). Em espanhol, El gobierno de los bienes comunes.

Fonte: Ladislau Dowbor

Crise ambiental: existem propostas alternativas

24/03/2016
Por Direção Executiva da Abong


Desde o início da hegemonia neoliberal, tornou-se um hábito justificar a continuidade da situação existente ou das políticas em curso pela ideia de que "não há alternativa". É uma ideia que não precisa de provas: é afirmada como um dogma de fé. No entanto, em nenhum período da história este fenômeno aconteceu, a falta de alternativas. O Império Romano caiu, a Idade Média acabou, o III Reich – "de mil anos" – foi derrotado, as próprias teses neoliberais ruíram com a crise mundial de 2008.

Todos se lembram da famosa afirmação, repetida por todos os governos e ideólogos até a eclosão da crise, de que o Estado não tinha mais recursos para os gastos com saúde, educação, aposentadoria, etc. No entanto, quando os grandes bancos e multinacionais quebraram, foi o Estado que os salvou, com os recursos que, supostamente, não existiam. Descobrimos, na ocasião, que estes recursos eram muito maiores do que qualquer um de nós, leigo, poderia imaginar: trilhões de dólares públicos foram usados para salvar instituições privadas, as mesmas que haviam causado a crise.

Traduzindo: há sempre alternativas. Os que negam sua possibilidade são aqueles que ganham com a continuidade do que já existe.

O mesmo se pode dizer da atual crise ecológica. As pessoas comuns sabem que estamos vivendo uma situação extremamente grave, que não tínhamos antes: sabem-no através dos jornais - falados, escritos, televisados - e também por experiência própria, em razão dos eventos extremos que têm nos atingido. Desde chuvas e inundações extraordinárias, capazes de destruir cidades inteiras, até secas prolongadas, inclusive na Amazônia, assim como longos períodos de temperaturas fora do comum.

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC - sigla em inglês), constituído por 2.500 cientistas de todo o mundo, tem nos advertido repetidamente, com dados cada vez mais precisos, de que a humanidade está caminhando para o desastre – se não tomarmos logo providências, se não mudarmos o modelo de desenvolvimento que temos hoje. No entanto, os governos parecem viver em outro mundo: não sabem ou não querem saber de crise ecológica, de mudanças climáticas, de aquecimento global. A cada reunião internacional, as decisões tomadas são mais distantes daquelas que são necessárias.

Mas há alternativas, são viáveis e todo governo é capaz de implementá-las. Melhor: elas são mais viáveis que as políticas atualmente em curso, elas são mais baratas do que o que se está fazendo e são mais saudáveis do que o que vivemos hoje. Elas são a solução para muitos problemas atuais. Vamos ver alguns exemplos.

Estamos vivendo uma crise de energia elétrica, causada por insuficiência de chuvas. Para fazer face às dificuldades, o governo apela para as termelétricas, que são mais caras e mais poluentes. No entanto, haveria uma solução muito mais barata e eficaz para enfrentar a instabilidade das chuvas. Seria a utilização de uma fonte que o Brasil tem de sobra, muito mais que qualquer país do Norte: o sol. O Brasil poderia continuar usando a energia hidrelétrica que tem, mas poderia complementá-la com a energia solar, porque nós temos sol o ano inteiro, numa proporção que poucos países no mundo têm. Dados do Atlas Solarimétrico do Brasil indicam que, dada a média anual de radiação, se apenas 5% dessa energia fosse aproveitada, toda a demanda brasileira por eletricidade poderia ser atendida[1].

O sol é uma fonte gratuita e durável (por milhões de anos). Só precisa de alguns equipamentos para gerar energia. Estes equipamentos, se produzidos em quantidade, se tornam baratos e perfeitamente acessíveis. Lester Brown, especialista na temática, revela que, na China, em 2010, cento e vinte milhões de famílias usavam aquecedores solares, que eram produzidos por cinco mil empresas e cujo custo correspondia a 150 euros (algo como 450 reais)[2]. Se o país quisesse, poderia propor às empresas que fabricam chuveiros elétricos que produzissem aquecedores solares, facilitando empréstimos e abrindo uma linha de crédito para os consumidores. Isto traria uma enorme economia de energia elétrica. Com uma vantagem: depois de instalado o equipamento, o consumidor não gasta nada, a não ser a sua manutenção. A fonte, como lembramos, é gratuita.

Poderíamos estabelecer como norma que toda construção (e toda reforma de um prédio) exigisse a instalação de equipamentos captadores de energia solar. Assim como, em algumas estradas do país, a iluminação noturna é garantida por painéis solares, os painéis poderiam cobrir as casas e edifícios e garantir a energia de que necessitam.

Para aqueles que moram no campo, em casas distantes da cidade, a energia solar tem a vantagem de não precisar de longas linhas de transmissão para poder funcionar: cada casa pode ter seu próprio "gerador" de energia.

Mais: o Brasil poderia abrir uma linha de financiamento de pesquisa nas universidades federais para desenvolver a tecnologia da energia solar.

Um segundo exemplo, bem concreto, nestes tempos de Copa do Mundo e de preocupação com a mobilidade urbana. Há grandes cidades no mundo onde, durante a semana, as pessoas não precisam usar carro: elas dispõem de um meio de transporte rápido e seguro, que é o metrô. Além do mais, dispõem de uma ampla frota de ônibus. E o sistema de transporte público é completado por bondes (tramways) na cidade e ferrovias interurbanas. Com isso, é possível deixar o transporte individual para utilização secundária ou para lazer e reduzir radicalmente os engarrafamentos e a perda de tempo nos trajetos diários para o trabalho. Não adianta construir novas vias e viadutos enquanto o número de carros nas ruas não diminuir. Temos de investir em transporte público de qualidade: prioritariamente em trilhos (linhas de metrô cobrindo toda a cidade, bondes, trens interurbanos). E, secundariamente, em ônibus.
Para o transporte entre as cidades e regiões – tanto de pessoas como de mercadorias -, temos de começar a mudar a nossa matriz, priorizando as ferrovias - mais seguras, mais duráveis, capazes de um volume de carga muito maior.

E, nas cidades, facilitar o uso da bicicleta, com ciclovias e normas de trânsito para garantir a segurança dos ciclistas. Há países onde a bicicleta é o meio normal de transporte da maioria das pessoas. E contribui para a sua saúde.

Em suma, se insistirmos no modelo de desenvolvimento que temos hoje, se continuarmos produzindo e consumindo do modo como fazemos hoje, caminharemos para cenários ambientais dramáticos e mudanças climáticas desastrosas. Já estamos assistindo ao princípio destas mudanças, mas tudo se passa como se isso fosse natural e inevitável. Os "mercadores da dúvida" têm tido sucesso: eles têm conseguido manter a incerteza sobre o aquecimento global e sobre nossa responsabilidade quanto a ele [3].


[1] Greenpeace Brasil (www.greenpeace.org.br). [R]evolução energética – a serviço de um desenvolvimento limpo, dezembro de 2010.

[2] Lester Brown, Basculement: comment éviter l'éffondrement économique et environnemental. Bernin, Souffle Court Éditions; Paris, Rue de l'Échiquier, 2011 (cf. www.earthpolicyinstitute.org).

[3] Oreskes, Naomi e Conway, Erik M. Os mercadores da dúvida. Ou: Como um punhado de cientistas mascararam a verdade sobre problemas sociais tais como o tabagismo e o aquecimento global.

A economia circular chega ao Brasil

24/03/2016
Por Ricardo Abramovay[1]


Dos desafios solitários, no interior de um veleiro, em que fez a mais rápida circum-navegação do globo, em 2005, nasceu a inspiração para que Ellen McArthur lançasse um dos mais ambiciosos movimentos empresariais contemporâneos. Os 71 dias em que a britânica percorreu mais de 50 mil quilômetros, sem reabastecimento de combustíveis, alimentos ou água, forneceram-lhe uma imagem preciosa. Os materiais, a energia e os recursos bióticos do Planeta são abundantes, mas, em alguma medida, finitos e se não forem usados de forma inteligente, acabarão por esgotar-se. Entre 2005 e 2010 Ellen McArthur empregou seu prestígio e sua obstinação para encontros com líderes empresariais e de ONG’s do mundo todo. O resultado é a Fundação Ellen McArthur, apoiada hoje não só por mais de uma centena de empresas globais do calibre de Renault, Philips, e-Bay e IBM, mas também por uma ampla rede de organizações de consultoria e pesquisa, incluindo diversas universidades ao redor do mundo. Acaba de ser lançado seu escritório brasileiro, com seminário recentemente realizado na sede da Natura e na FEA/USP.

A constatação de base é que a vida econômica contemporânea percorre uma trajetória linear: extrair, transformar, consumir e descartar. O desperdício daí resultante até que podia ser tolerado num mundo com dois ou três bilhões de habitantes. Hoje, não mais.

Mesmo na Europa, onde os hábitos de vida são muito menos perdulários do que nos Estados Unidos, os dados são chocantes, conforme mostra um fascinante relatório da Fundação Ellen McArthur e da McKinsey, recém lançado[2]. 60% dos materiais descartados pelos europeus são enviados a aterros ou incinerados. Ora, materiais e componentes correspondem a algo entre 40 e 60% do custo total da atividade manufatureira europeia. Os europeus importam 60% dos materiais e da energia que consomem. Portanto, a urgência com relação à melhoria em seu aproveitamento não é um tema “ambiental”, mas um imperativo econômico de sobrevivência.

O relatório analisa três necessidades humanas básicas – mobilidade, alimentação e moradia – que correspondem a 60% dos gastos domiciliares e a 80% dos recursos consumidos na União Européia. O mau uso é generalizado. O automóvel europeu, por exemplo, fica estacionado 92% do tempo. Em média, ao ser usado, somente 1,5 de seus cinco lugar é ocupado. Quando se juntam os gastos domiciliares com o automóvel aos custos de suas externalidades (sobretudo congestionamento) o resultado total é de dois trilhões de euros anuais, equivalentes aos PIBs da Itália e da Suécia somados.

Na alimentação, joga-se fora nada menos que um terço dos alimentos produzidos. O uso da água é pouco eficiente e a estimativa é que as culturas absorvem apenas 30 a 50% dos fertilizantes aplicados. Além disso, não se pode separar a produção alimentar das distorções em seu consumo, razão pela qual o relatório mostra o impressionante custo social do sobrepeso e da obesidade na Europa.

O funcionamento da construção civil, também impõe custo exorbitante à sociedade europeia, que tem três expressões principais. A primeira é o desperdício de materiais e a baixa produtividade em muitos países europeus, em contraste com o avanço tecnológico em outros setores. Além disso, de 35% a 50% dos escritórios europeus permanecem sem uso, mesmo nos dias e horários úteis. Em terceiro lugar, apesar de sua tradição histórica de cidades compactas, o processo de dispersão urbana também avança na Europa, com custos imensos para toda a sociedade.

A economia circular tem a ambição de transformar este sistema para que tanto os nutrientes biológicos, como os nutrientes técnicos que compõem a riqueza sejam permanentemente não apenas reciclados, mas revalorizados ao longo dos processos produtivos. O ponto de partida é de natureza eminentemente ética: os vários documentos lançados desde 2012 pela Fundação Ellen McArthur preconizam uma economia não apenas menos danosa, mas regenerativa tanto dos ecossistemas como do tecidos sociais que têm sido sistematicamente destruídos pelas formas atuais como se obtém riqueza. Em um trabalho também recentemente publicado sobre a Suécia a economia circular é definida como um “sistema industrial restaurativo por intenção e por design”[3].

A novidade contida nesta orientação ética é tríplice. Por um lado, ela só vai florescer caso consiga se apoiar em muita ciência e tecnologia. Os vários documentos da Fundação Ellen McArthur reconhecem que já existe redução no uso de materiais, energia e recursos bióticos, mas mostram que estes ganhos têm sido constantemente contrabalançados pelo próprio aumento no consumo. Globalmente, o uso de recursos aumenta e só a pesquisa em torno de energias renováveis, novos materiais e formas regenerativas de uso de solo poderá reverter esta tendência.

Em segundo lugar, a inovação tecnológica disruptiva que pode dar origem à economia circular supõe novos modelos de negócio em que o acesso se torna mais importante que a propriedade e o compartilhamento passa a ser estimulado pelo próprio setor privado. De maneira realista e sem sensacionalismo, o relatório europeu mostra o avanço notável do uso compartilhado de automóveis na Europa.

Em terceiro lugar, os trabalhos da Fundação Ellen McArthur procuram estimar os ganhos econômicos que a transição para a economia circular pode trazer. No caso europeu se forem incluídas as externalidades, estes ganhos podem chegar a 1,8 trilhão de euros até 2030.

O Brasil e a América Latina são hoje os grandes fornecedores das matérias-primas cujo uso a economia circular tem a ambição de reduzir drasticamente. Parte cada vez mais importante da inovação contemporânea visa exatamente diminuir a dependência em que o sistema econômico se encontra de produtos primários. Longe de ser má notícia para nosso Continente, esta realidade abre as portas para o melhor uso dos recursos de que dispomos. A economia circular dá um rumo promissor para a retomada do crescimento brasileiro, quando ela vier.


[1]
 Professor Sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP, autor de Beyond the Green Economy (Routledge). www.ricardoabramovay.com
[2] http://www.ellenmacarthurfoundation.org/news/circular-economy-would-increase-european-competitiveness-and-deliver-better-societal-outcomes-new-study-reveals
[3] http://www.clubofrome.org/?p=8260


Fonte: Valor Econômico

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

“Louvado Seja”, Papa Francisco

14/03/2016
A encíclica ecológica do Papa começa na dose mais vasta e profunda que poderia ter: “Nós somos terra. Todo nosso corpo é constituído de elementos do planeta, seu ar é aquele que nos dá a respiração e sua água vivifica e restaura” (Tradução pessoal do texto italiano, número 2).



Esse é ponto de partida exato de qualquer reflexão sobre a vida na Terra. Do ponto de vista biológico, somos qualquer animal, parte da terra, dependentes dela e, sem água, sem comida, sem ar, sem um ambiente próprio para a vida, morremos como todos os outros animais.

Lembrando São Francisco, o Papa diz que a Terra é “mãe e irmã”. Portanto, toda a comunidade da vida só pode ser entendida nessa irmanação universal.

O Papa não esquece, desde o início da encíclica, de lembrar que a Terra está “oprimida e devastada” e, retomando Paulo em Romanos 8, reafirma que ela “geme em dores de parto”. Retoma Paulo VI no número 5 e recorda que os avanços técnicos, científicos, se sozinhos, podem conduzir a Terra e a humanidade a uma catástrofe, se não forem acompanhados de um autêntico desenvolvimento “social e moral”. Portanto, retoma a questão ética colada à técnica.

E propõe como saída a mudança do estilo de vida, também no modo de produção e consumo. Ele retoma Bento XVI para reafirmar que o problema é “estrutural”. Ainda como fundamento da reflexão, Francisco lembra que a destruição do ambiente está vinculada à uma cultura de morte, que agride também o ser humano. Essa realidade a Pastoral da Terra experimenta e reflete há anos: “aqueles que destroem as florestas e rios, são os mesmos que mataram Chico Mendes e Irmã Dorothy”. O Papa segue a partir daí com fatos já sobejamente conhecidos: consumismo, deflorestação, lixo, mudanças climáticas e todas suas causas e efeitos, etc., fazendo do planeta um “lugar de imundícies” (número 24).

Destaca a questão da água e da biodiversidade, inclusive da invisível, fundamental para os solos, plantas e reprodução da vida (número 34).

Francisco ainda chama a atenção que “o grito da Terra é o grito dos pobres” (49), realçando que a questão é socioambiental.

Foto de: Arte/Santuário Nacional

Arte da Cúpula Central do Santuário Nacional será contemplada com a representação da fauna brasileira unida à fé do povo. 

No número 41 o Papa toca o dedo na ferida, afirmando que a responsabilidade fundamental por essa crise vem do Norte, dos países desenvolvidos, que exploram os países do sul, inclusive transferindo para esses a produção suja que não querem ter em seus próprios territórios. Aquilo que chamamos de “injustiças socioambientais”.

Na parte do “julgar” – não está com esse nome, mas o documento segue a lógica do Ver, Julgar e Agir – a ênfase será no texto bíblico do “cultivar e guardar” (Gen. 2,15), no Cristo Cósmico e na redenção da criação (Rom. 8).

No “agir”, assume praticamente todas as boas lutas socioambientais que fazemos – agroecológica, energia, transportes, preservação das florestas, cidades dignas do ser humano, mecanismos globais para controle do efeito estufa, mudanças climáticas, etc. -, portanto, nada de novo. Por fim, a necessidade de mudar o “modelo global de desenvolvimento”(194). Essa é a grande síntese.

Para nós, cristãos, aponta a necessidade de uma “Espiritualidade Ecológica” (Capítulo Sexto, 202). Implica a mudança do “estilo de vida”, “uma educação para o respeito ao ambiente”, que começa nas atitudes do cotidiano e se amplia para a globalidade, enfim, a “conversão ecológica” (216), que é alegre, contemplativa, cuidadora, sóbria, que gosta de arte, de música, celebrações (inclusive eucaristia), enfim, sem o consumismo crasso da sociedade contemporânea.

O texto conclui com uma bela oração sobre a criação.

O novo desse texto para nós, aqueles que fazemos esse caminho há tantas décadas, é que agora nos vejamos plenamente contemplados num documento oficial do Vaticano.

Que o documento produza os frutos semeados.

Sem dúvida, sinal dos tempos.

Fonte: A12

Cartilha Entrevista Sobre Ecologia Com o Papa Francisco

14/03/2016
Acaba de ser lançada a cartilha Entrevista Sobre Ecologia Com o Papa Francisco. Mas, antes que alguém se engane, é apenas a divulgação da Laudato si’ em forma de encontros reflexivos e oracionais para os grupos de base, sejam eles de Igrejas, ou não.

O livreto tem 18 encontros.

A proposta veio de um grupo formado na CNBB a partir das Pastorais Sociais, com o propósito de tornar a Laudato si’ acessível a todos os cristãos e pessoas de boa vontade. Então, se decidiu fazer alguns materiais didáticos, como vídeos, exposições fotográficas, seminários, programas de rádio e a cartilha.

Coube a mim fazer a cartilha. Então, relendo várias vezes, cheguei à conclusão que não dava para mexer numa única palavra do Papa, por sua beleza, sua precisão, sua profundidade e extensão. Então, veio a ideia de fazer em forma de encontros, como se fossem partes de uma longa entrevista. O grupo e o secretário da presidência, D. Leonardo, concordaram. Foram criadas perguntas que são respondidas textualmente pelo que está escrito na Laudato si’. Claro, são textos selecionados, ficando bem mais curta que a carta original.

É consenso no grupo que essa carta introduziu a Igreja no século XXI, tem fôlego histórico e voltaremos a ele cada vez que a crise socioambiental se aprofundar. Então, não pode ficar nas gavetas, ou ser vetado ao povo das bases por questões técnicas e desinteresse de muita gente. É como esse objetivo que o material foi feito.

Quem quiser o material:
http://www.edicoescnbb.com.br/

Fonte: Roberto Malvezzi (Gogó)

É possível evitar o desastre? O que é preciso fazer?


14/03/2016
Os vídeos a seguir apresentam um debate entre os professores Ricardo Abramovay, sociólogo, e Wagner Costa Ribeiro, geógrafo, onde, de forma clara e didática, eles apresentam “a era do antropoceno”, uma nova era geológica, quando as atividades humanas passaram a interferir na dinâmica planetária, afetando o funcionamento do nosso sistema climático.

É possível evitar o desastre? O que é preciso fazer?

Assista!


 

 

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Por uma revolução verde, de viés biônico


10/03/2016
Por Ricardo Abramovay

Frugalidade e autocontenção não podem ser o eixo estratégico do desenvolvimento sustentável Que o mundo atual é marcado por imenso desperdício e que os padrões de consumo contemporâneos ameaçam a oferta dos serviços ecossistêmicos de que todos dependemos, disso não há dúvida. Mas é ilusório o caminho que preconiza fundamentalmente limites no consumo e na produção como premissa para que as atividades econômicas deixem de destruir as bases biofísicas de sua própria existência. O que as sociedades de hoje precisam (mesmo nos países mais ricos do mundo) não é de decrescimento: é de ciência, tecnologia e democracia. Nestas três palavras encontra-se a essência de uma revolução verde já em curso, que orienta o essencial da inovação dos dias de hoje, atingindo a energia, a infraestrutura, a gestão dos resíduos, a agricultura, a mobilidade, a construção civil, e o próprio desenho das cidades. O que está em jogo não é a quantidade e sim a qualidade do crescimento. Ou como diz Ralf Fücks em seu livro recém traduzido para o inglês e prefaciado por Anthony Giddens: “a questão não é se a economia global vai continuar a crescer mas como ela vai crescer”.

Ralf Fücks, dirigente do Partido Verde alemão, ex-deputado pelo Estado de Bremen e protagonista de várias das iniciativas que colocaram seu país na vanguarda global das energias renováveis, parte de uma premissa hoje cada vez mais aceita tanto nos estudos de psicologia climática como em segmentos importantes da filosofia que se voltam à formulação de uma ética do antropoceno: em vez de procurar incutir nas pessoas medo e culpa por seu consumo, é preciso encontrar soluções para as aspirações das centenas de milhões de indivíduos que estão ingressando em novos mercados e dos bilhões que ainda estão por vir. Claro que isso não significa e não pode significar mais carros nas ruas, maior ingestão daquilo que está provocando a epidemia global de obesidade, mais obsolescência planejada e maior fragmentação urbana. O crescimento inteligente e verde de Ralf Fücks não é uma dócil adaptação às mudanças graduais pelas quais as sociedades estão passando. Ele supõe duas rupturas fundamentais.

A primeira delas é de natureza político-cultura e está nos três capítulos iniciais dos oito que compõem o livro. Da Torre de Babel ao Fausto de Goethe, passando pelo título da novela de Mary Shelley (Frankenstein: o Prometeu Moderno), Fücks mostra a forma ambivalente como a cultura ocidental, desde os gregos, enxerga a capacidade humana de transformar a natureza. “Ao final, virá a aniquilação”, afirma Mefistófeles, o herói de Goethe que encara as finanças, a indústria e a domesticação da natureza como formas de progresso que conduzem inelutavelmente à catástrofe. Da mesma maneira, o que marca o gênio de Frankenstein é que a criatura escapa ao controle do criador, uma alusão à perigosa separação entre progresso técnico e imperativos morais . Diógenes em seu barril, fazendo da riqueza sinônimo de escravidão e Ulisses resistindo ao canto das sereias são outros exemplos, vindos dos gregos, dos fundamentos culturais que deram origem, sobretudo ao final dos anos 1960, ao movimento que passa a ver o consumo e a incessante expansão produtiva em que ele se assenta como antecâmaras da destruição.

No segundo capítulo do livro, Fücks mostra como esta cultura se liga ao ceticismo com a democracia e ao flerte intelectual com soluções autoritárias por parte de importantes figuras ligadas à tese do decrescimento, nomeadamente o casal Dennis e Donnella Meadow e Jørgen Randers, autores do célebre informe do Clube de Roma (Limites ao Crescimento) de 1972.

A segunda ruptura a que leva a ideia de crescimento verde consiste em transformar o atual modo de produção. Não se trata de suprimir mercados e empresas, mas de acelerar as mudanças capazes de oferecer bens e serviços sobre a base do consumo cada vez menor de energia e materiais. Este desacoplamento, na Grã-Bretanha e na França, só foi possível pela migração destrutiva em direção à China por que passou o setor industrial destes países. Mas não é esse o caso da Alemanha, cuja indústria não cessa de crescer, consumindo, entretanto, em termos absolutos, cada vez menos energia, com menos emissões e menor uso de materiais.

A essência da revolução industrial verde preconizada por Ralf Fücks está na bioeconomia, no esforço de fazer da luz solar “a fonte primeira de toda a produção e de todo o consumo”. Muito mais do que placas solares, o autor mostra os progressos extraordinários alcançados pela biomimética, pela biorobótica e pela biogenética. Em torno destas diferentes formas de aprendizagem e de uso sustentável da natureza se organiza uma disciplina, a biônica (bionics em inglês), assim definida pela Associação de Engenheiros da Alemanha: “é uma disciplina científica que visa converter as estruturas, os processos e os princípios de desenvolvimento dos sistemas biológicos em tecnologia”. Só na Alemanha, setenta institutos de pesquisa e universidades orientam-se por programas de pesquisa ligados ao tema (http://www.biokon.de/).

A revolução verde de Fücks não deve ser confundida com uma crença cega e mágica no poder da ciência e da técnica. Sua inspiração filosófica maior está no trabalho de Ernst Bloch para quem a tecnologia operou na natureza, até aqui, como um exército inimigo. O que agora está emergindo, segundo Bloch, é uma relação cooperativa entre sociedade e natureza, que pode dar lugar a uma economia regenerativa, capaz de reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa e o uso de energia e de materiais na oferta de bens e serviços.

O pilar ético do trabalho de Fücks é o mesmo em que se apoiam os autores ligados ao decrescimento, ou seja, a noção de limites. Ao contrário deles, porém, Fücks procura demonstrar que pode ser promissora uma vida social que, desenvolvendo a ciência, a tecnologia e aprofundando a democracia, faz da cooperação com a natureza a base do crescimento econômico e da prosperidade.


Fonte: Valor Econômico

A cultura do capital é anti-vida e anti-felicidade


10/03/2016
Por Leonardo Boff

A demolição teórica do capistalismo como modo de produção começou com Karl Marx e foi crescendo ao longo de todo o século XX com o surgimento do socialismo e pela escola de Frankfurt. Para realizar seu propósito maior de acumular riqueza de forma ilimitada, o capitalismo agilizou todas as forças produtivas disponíveis. Mas teve como consequência, desde o início, um alto custo: uma perversa desigualdade social. Em termos ético-políticos, signfica injustiça social e produção sistemática de pobreza.

Nos últimos decênios, a sociedade foi se dando conta também de que não vogora apenas uma injustiça social, mas também uma injustiça ecológica: devastação de inteiros ecossitemas, exaustão dos bens naturais, e, no termo, uma crise geral do sistema-vida e do sistema-Terra. As forças produtivas se transformaram em forças destrutivas. Diretamente, o que se busca msmo é dinheiro. Como advertiu o Papa Francisco em excertos já conhecidos da Exortação Apostólica sobre a Ecologia: ”no capitalimo já não é o homem que comanda, mas o dinheiro e o dinheiro vivo. A ganância é a motivação … Um sistema econômico centrado no deus-dinheiro precisa saquear a natureza para sustentar o ritmo frenético de consumo que lhe é inerente.”

Agora o capitalismo mostrou sua verdadeira face: temos a ver com um sistema anti-vida humana e anti-vida natural. Ele nos coloca o dilema: ou mudamos ou corremos o risco da nossa própria destruição e parte da biosfera, como alerta a Carta da Terra.

No entanto, ele persiste como o sistema dominante em todo a Terra sob o nome de macro-economia neoliberal de mercado. Em que reside sua permanência e persistência? No meu modo de ver, reside na cultura do capital. Isso é mais que um modo de produção. Enquanto cultura encarna um modo de viver, de pensar, de imaginar, de produzir, de consumir, de se relacionar com a natureza e com os seres humanos, constituíndo um sistema que consegue continuamente se reproduzir, pouco importa em que cultura vier a se instalar. Ele criou uma mentalidade, uma forma de exercer o poder e um código ético. Como enfatizou Fábio Konder Comparato num livro quer merece ser estudado A civlização capitalista (Saraiva, 2014):”o capitalismo é a primeira civilização mundial da história”(p.19). O capitalismo orgulhosamente afirma:”não há outra alternativa (TINA= There is no Alternative).”

Vejamos rapidamente algumas se suas características: finalidade da vida: acumular bens materiais; mediante um crescimento ilimitado, produzido pela exploração sem limites de todos os bens naturais; pela mercantilização de todas as coisas e pela especulação financeira; tudo feito com o menor investimento possível, visando a obter pela eficácia o maior lucro possível dentro do tempo mais curto possível; o motor é a concorrência turbinada pela propaganda comercial; o beneficiado final é o indivíduo; a promessa é a felicidade num contexto de materialismo raso.

Para este propósito se apropia de todo tempo de vida do ser humano, não deixando espaço para a gratuidade, a convivência fraternal entre as pessoas e com a natureza, o amor, a solidariedade, a compaixão e o simples viver como alegria de viver. Como tais realidades não importam para a cultura do capital, como reconheceu o insuspeito mega-especulador George Soros (A crise do Capitalismo, Campus 1999), porque, embora tenham valor, não tem preço nem dão lucro. Mas exatamente são elas que produzem a felicidade possível. Ele destrói as condições daquilo que se propunha: a felicidade. Assim ele não é só como anti-vida mas também anti-felicidade.

Como se depreende, esses ideais não são propriamente os mais dignos para efêmera e única passagem de nossa vida neste pequeno planeta. O ser humano não possui apenas fome de pão e afã de riqueza; é portador de outras tantas fomes como de comunicação, de encantamento, de paixão amorosa, de beleza e arte e de transcendência, entre outras tantas.

Mas por que a cultura do capital se mostra assim tão persistente? Sem maiores mediações diria: porque ela realiza uma das dimensões essenciais da existência humana, embora a elabore de forma distorcida: a necessidade de auto-afirmar-se, de reforaçar seu eu, caso contrário não subsiste e é absorvido pelos outros ou desaparece.

Biólogos e mesmo cosmólogos (citemos apenas um dos maiores deles Brian Swimme) nos ensinam: em todos os seres do universo, especialmente no ser humano, vigoram duas forças que coexistem e se tencionam: a vontade do indivíduo de ser, de persistir e de continuar dentro do processo da vida; para isso tem que se auto-afirmar e fortalecer sua identidade, seu “eu”. A outra força é da integração num todo maior, na espécie, da qual o indivíduvo é um representante, constituido redes e sistemas de relações fora das quais ninguém subsiste.
A primeira força se constela ao redor do eu e do indivíduo e origina o individualismo. A segunda se articula ao redor da espécie, do nós e dá origem ao comunitário e ao societário. O primeiro está na base do capitalismo, o segundo, do socialismo na sua expressão melhor.

Onde reside o gênio do capitalismo? Na exacebação do eu até ao máximo possível, do indivíduo e da auto-afirmação, desdenhando o todo maior, a integração na espécie e o nós. Desta forma desequlibriou toda a existência humana, pelo excesso de uma das forças, ignorando a outra.

Nesse dado natural reside a força de perpetuação da cultura do capital, pois se funda em algo verdadeiro mas concretizado de forma exacerbadamente unilateral e patológica.

Como superar esta situação secular? Fundamentalmente no regate do equilíbrio destas duas forças naturais que compõem a nossa realidade. Talvez seja a democracia sem fim, aquela instituição que faz jus, simultaneamente, ao indivíduo (eu) mas inserido dentro de um todo maior (nós, a sociedade) do qual é parte. Voltaremos ao tema porque não é suficiente fzer a crítica a esta cultura malvada, como a chamava PauloFreire;   importa contrapor-lhe outro tipo de cultura que cultiva a vida e cria espaços para o amor, a cooperação, a criatividade e a transcendência.


Fonte: Leonardo Boff

Opinião | Laudato Sí em América Latina

Por Dário Bossi
10/03/2016.

Os Ka’apor do Maranhão levantaram a voz. Por isso querem amordaçá-los.

Cansados de esperar que o Estado os defenda e garanta proteção para eles e a floresta, organizaram por sua conta“missões” de controle da reserva em que vivem.

Vigiam sobre os acessos à sua terra e surpreendem os madeireiros que a invadem e saqueiam, protegidos e aliados a políticos e empresários locais. Quando os índios os descobrem, apoderam-se de suas motosserras, incendeiam seus caminhões e os expulsam de suas terras, declaradas Kaar Husak Há, isto é Áreas Protegidas.

Eusébio Ka’apor
 era um dos defensores da terra indígena. Mataram-no com dois tiros nas costas, no final de abril, pouco distante de sua aldeia. No Brasil as vítimas da violência em terra indígena nesses últimos anos aumentaram com a mesma proporção da arrogante bancada ruralista.

O que esperariam os Ka’apor da encíclica Laudato Sí de Papa Francisco? Será preciso lê-la do ponto de vista deles e de muitas outras vítimas da violência ambiental.

Nós missionários combonianos faremos dela instrumento de estudo popular da realidade, com as comunidades cristãs junto às quais vivemos.

Muitos estão esperando por essa encíclica. Sobretudo as comunidades e igrejas perseguidas por seu empenho emdefesa da Criação e em conflito com os grandes projetos nas regiões amazônicas: mineração, monoculturas, hidrelétricas e barragens, infraestruturas para a exportação de commodities... Chamados “projetos de desenvolvimento”, revelam rapidamente o interesse quase exclusivo de desenvolver os capitais de quem investe nisso, provocando graves violações dos direitos socioambientais às populações locais e criminalização dos líderes populares que a eles se opõem.

Um dos motivos da criação da rede latinoamericana Iglesias y Minería, por exemplo, foi exatamente evitar o isolamento das comunidades mais empenhadas nessas frentes e demonstrar apoio moral, político e institucional da Igreja a seu lado. Esse talvez será o efeito prático mais imediato e importante de Laudato Sí.
Esperamos que essa encíclica confirme uma posição clara da Igreja ao lado das vítimas do assim chamado “racismo ambiental”. Desejamos que, ao denunciar os riscos da sobrevivência do Planeta, o documento seja solidário às comunidades mais pobres. Essas são de um lado as vítimas maiormente atingidas por essa violência e, do outro, em muitos casos, indicam-nos caminhos de preservação da vida e de organização de economias a baixo impacto ambiental nos territórios.

Em muitos países está sendo implicitamente declarada uma guerra de baixa intensidade, disputando territórios e bens naturais. A história se repete no estilo das antigas colônias, como bem demonstra o saudoso Eduardo Galeanoem “As veias abertas da América Latina”, mas com ritmos e tecnologias bem mais impactantes, chegando assim a violar também os direitos das futuras gerações.

O espírito consumista e o sistema capitalista crescem a uma velocidade exponencial; outros modelos de vida que com dificuldade resistem à agressão deles observam-nos com angústia e incompreensão, definindo-os, lucidamente, “sistemas suicidas”. Desse ponto de vista, a leitura de Laudato Sí poderia ter profundas implicações político-econômicas.

As comunidades que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho define “indígenas e tribais” representam ao nosso ver um “baluarte” (Kaar Husak Há). Assim como ao longo da história as fortalezas protegeram inteiros territórios das invasões e frearam o controle inimigo dos territórios, da mesma forma o direito à autodeterminação das populações locais pode ser uma estratégia, hoje, para evitar a entrega indiscriminada dosbens comuns às corporações mineiras ou às multinacionais da comunicação, da água ou das grandes cadeias de produtos alimentares.

A Igreja deveria apoiar com força o direito à “consulta prévia, livre e informada” das comunidades locais, assim que seja garantido o autocontrole de seus territórios.

Red Eclesial Panamazónica comprometeu-se nesse sentido em diversos Países da América Latina. Articula comunidades cristãs de base, grupos e instituições religiosas e as conferências episcopais da grande Amazônia, com especial atenção aos direitos dos povos indígenas e com uma interessante proposta de colaboração permanente com a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos.

A visita de Papa Francisco a Washington em setembro, poucos meses depois da publicação da Encíclica, poderá tocar também esses temas delicados e urgentes.

Em chave de política internacional, a encíclica poderia ser oportunidade para relançar a proposta de criação de umaCorte Penal de Justiça Ambiental. Hoje, de fato, não existem adequados mecanismos de responsabilização em nível internacional por crimes ambientais. Assim, mesmo em caso de graves violações desses direitos, as multinacionais e os governos locais, vinculados entre si por acordos e interesses econômicos, acabam praticamente impunes.

Sobretudo, esperamos que o documento vaticano sobre ecologia ofereça uma releitura teológica das referências bíblicas que ao longo da história, por interpretações patriarcais e colonizadoras, separaram a Criação do homem, considerando esse último o dominador e controlador da vida.

Sabemos quanto o sistema capitalista, ecocida e suicida, herdou da cultura religiosa cristã. Por outro lado, temos a inspiração radicalmente evangélica de São Francisco e o testemunho vivo de muitos e muitas mártires que nos relançam em defesa da vida.

Precisamos igualmente de um profundo e humilde processo de conversão e purificação. Uma nova escuta da Revelação, a partir do encontro fecundo entre a Palavra bíblica, o livro da criação e a sabedoria dos povos e das religiões.


Fonte: IHU

Herodes e o menino Kaigang degolado

Por Pedro Ribeiro de Oliveira


Nesse dia seis de janeiro, ao celebrar com a Folia de Reis a visita dos Magos ao menino que amedrontou Herodes, me veio o gosto amargo da derrota sofrida em Imbituba, há apenas uma semana: Herodes mandou degolar mais um menino. Com o requinte de crueldade de ser a criança atacada justamente onde nos sentimos maior segurança – o colo materno.

Se Vitor fosse branco e estivesse com a família em uma praça do Rio ou São Paulo, o crime hediondo estaria em todos os noticiários e provocaria repulsa maior do que as fotos de prisioneiros prestes a serem degolados por terroristas do Estado Islâmico. Mas Vitor é Kaingang e só foi morto porque índio não tem valor para a sociedade capitalista. Não se sabe até o momento de quem é a mão que passou o estilete mortal na garganta do menino. Sabemos, porém, quem são os mandantes do assassinato: grandes proprietários e proprietárias de terra que não respeitam o direito dos Povos Indígenas a terem seu próprio modo de produção e de consumo. Tal como o Herodes bíblico, eliminam até mesmo crianças que possam um dia ameaçar seu poder econômico.

Em outros tempos a Igreja católica não ficaria em silêncio diante de um crime como esse. A nota do CIMI seria acompanhada de uma nota dos bispos e repercutiria por dezenas de milhares de comunidades de base de todo o Brasil. Celebraríamos os Reis magos, com certeza, mas não deixaríamos em silêncio o crime cometido por Herodes apenas uma semana antes. Pediríamos perdão por não termos evitado, com uma legislação e uma educação corretas, o preconceito contra os povos indígenas e nos comprometeríamos com os Santos Reis a tomar outro rumo nos caminhos da história. O sofrimento daquela pequena família Kaingang ao ver seu filho caçula esvaindo-se em sangue deveria dar um sentido mais realista à celebração da Epífania: aprender com os Santos Reis da bela tradição popular, a ver naquela criança degolada o anúncio da Libertação dos Povos Indígenas.

Que neste ano da Misericórdia, ao passar pela porta do jubileu e entrarmos numa igreja, sejamos chamados à conversão e saiamos pela mesma porta para assumir a defesa da Vida das crianças Kaingang, Kayová, Mundurucu e de todos os outros povos que há quinhentos anos querem nos ensinar a viver em Paz com eles.


Fonte: Leonardo Boff

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Ou reagimos agora, com força, ou será tarde demais!


Gente,

Ontem, a Câmara aprovou a entrega do Pré-Sal a empresas privadas/estrangeiras, o STF aprovou – por maioria apertada, mas aprovou – a prisão a partir do julgamento em 2ª instância (uma das problemáticas "10 medidas contra a corrupção" propostas por Moro e companhia), nos próximos dias vai ser votada a PEC 241, que será a morte das políticas sociais no país.
Depois do 1º turno das eleições municipais, a votação de medidas neoliberais está sendo feita numa velocidade impressionante. Antes do 2º turno, é possível que o Brasil tenha sido liquidado.
Ou reagimos agora, com força, ou será tarde demais!
Temos, urgentemente, de promover uma campanha de esclarecimento da opinião pública e de denúncia das medidas que estão sendo votadas (e, algumas, aprovadas). Para reverter este processo.
Seria preciso:

· a divulgação de notas públicas de entidades as mais diversas: ABONG, CONIC, CNBB, OAB, Reitores de Instituições Federais de Ensino, ANDES, ADUFRJ, artistas, mundo cultural, etc.

· a publicação de artigos de intelectuais, artistas, personalidades sobre o que está acontecendo, alertando os cidadãos/cidadãs para o risco à democracia e aos direitos humanos, a quebra dos princípios fundamentais da Constituição de 1988.

· inundar as redes sociais com estes artigos e outros materiais (inclusive alguns artigos que já foram publicados, pequenos vídeos de esclarecimento sobre a PEC 241, por exemplo, que já foram divulgados do DIEESE, da profa. Denise Gentil. Veja http://naoapec241.com.br/ ).

· fazer números especiais de revistas virtuais (IHU online, por exemplo), sites e blogs ou um conjunto de artigos (dossiês) sobre estes temas.

· candidatos eleitos deveriam se pronunciar denunciando estas medidas.

· organizar protestos em Brasília, em frente ao Congresso, dentro do Congresso, articular entidades locais e nacionais para participar destes atos.

· onde for possível, isto é, onde for viável reunir número considerável de pessoas: organizar manifestações contra estas medidas.

Bem, foi o que me passou pela cabeça ao ler as notícias ontem à noite e hoje de manhã.

Um abraço,

Ivo Lesbaupin
Iser Assessoria - 06.10.2016

Ou reagimos agora, com força, ou será tarde demais!