09/05/2016
BERLIM – Ao longo dos
últimos dez anos, as "alterações climáticas" tornaram-se quase sinônimo
de "emissões de carbono". A redução dos gases com efeito estufa na
atmosfera, medidos em toneladas de "dióxido de carbono equivalente"
(CO2e), tornou-se o objectivo primordial na procura da preservação do
planeta. No entanto, não é concebível que uma abordagem tão simplista
consiga resolver as crises ecológicas altamente complexas e interligadas
que enfrentamos atualmente.
O foco quase
exclusivo da política ambiental global na "métrica do carbono" reflete
uma obsessão mais profunda relativa à mensuração e à contabilização. O
mundo rege-se por abstrações (calorias, quilômetros, quilogramas, e
agora toneladas de CO2e) que são aparentemente objetivas e confiáveis,
especialmente quando incorporadas na linguagem "especializada"
(frequentemente no domínio da economia). Consequentemente, tendemos a
ignorar os efeitos da história de cada abstração e as dinâmicas de poder
e política que continuam a moldá-la.
Um exemplo-chave de
uma poderosa e algo ilusória abstração global é o produto interno bruto
(PIB), que foi adoptado como a principal medida de desempenho e
desenvolvimento econômico de um país após a Segunda Guerra Mundial,
quando as potências mundiais se dedicavam à criação de instituições
financeiras internacionais que deveriam refletir o poder econômico
relativo de cada Estado membro. No entanto, atualmente o PIB tornou-se
uma fonte de frustração generalizada, uma vez que não reflecte a
realidade da vida das pessoas. À semelhança da luz alta dos faróis de de
um carro, as abstracções podem iluminar muito, mas podem igualmente
tornar invisível aquilo que seu feixe de luz não alcança.
Ainda assim, o PIB
continua a ser, de longe, a medida dominante da prosperidade econômica,
refletindo a obsessão relativa à universalidade que acompanhou a
expansão do capitalismo em todo o mundo. Os pensamentos complexos,
matizados e qualitativos e que refletem as especificidades locais não
são tão atrativos quanto as explicações lineares, abrangentes e
quantitativas.
Quando se trata de
alterações climáticas, esta preferência traduz-se no apoio determinado a
soluções que reduzem ligeiramente as emissões “líquidas” (net,
em inglês) de carbono - soluções que podem ser um obstáculo a grandes
transformações econômicas ou comprometer a capacidade das comunidades
para definir problemas específicos e criar soluções adequadas. Esta
abordagem remonta à Cúpula da Terrarealizada
no Rio de Janeiro, em 1992, onde a política em matéria de clima entrou
numa via acidentada e violenta de alternativas esquecidas. Ao longo dos
últimos 25 anos, foram cometidos, pelo menos, três erros críticos.
Em primeiro lugar, os
governos introduziram a unidade de cálculo CO2e para quantificar de
forma coerente os efeitos de gases com efeito de estufa distintos, como o
CO2, o metano e o óxido nitroso. As variações entre estes gases (em
termos do seu potencial de aquecimento, do tempo que permanecem na
atmosfera, dos pontos onde são emitidos e da forma como interagem com os
ecossistemas e as economias locais) são consideráveis. Uma única
unidade de medida simplifica a questão de forma considerável, dando aos
decisores políticos a possibilidade de prosseguirem com uma solução
global destinada à concretização de um objetivo primordial específico.
Em segundo lugar, a cúpula da ONU sobre as alterações climáticas destacou as técnicas“de fim-de-linha” (métodos
que visam a jusante a remoção dos contaminantes da atmosfera). Isso
permitiu aos decisores políticos desviar a atenção do objetivo mais
desafiador do ponto de vista político, o de limitar, em primeiro lugar,
as atividades que produzem tais emissões.
Em terceiro lugar, os
decisores políticos decidiram concentrar-se nas emissões “líquidas”,
considerando os processos biológicos que envolvem solos, plantas e
animais em conjunto com os processos associados à combustão de
combustíveis fósseis. À semelhança das instalações industriais, os
arrozais e os bovinos foram considerados como sendo fontes de emissões, e
as florestas tropicais, as plantação de monocultivos florestais e os
pântanos como sumidouros de emissões. Os decisores políticos começaram a
procurar soluções que envolviam a compensação das emissões no exterior
ao invés da sua redução no próprio país (ou na fonte).
Em 1997, ano em que o Protocolo de Quioto foi adotado, uma “maior flexibilidade” estava na ordem do dia e o comércio de certificados de emissões (ou
licenças para poluir) foi a opção política privilegiada. Decorridas
quase duas décadas, o esforço para compensar as emissões não se
consolidou apenas na política em matéria de clima, tendo chegado também
ao debate mais abrangente em matéria de política ambiental.
Novos mercados para os chamados “serviços ecossistêmicos”
(ou serviços ambientais) estão surgindo em todo o mundo. Por exemplo,
as medidas de compensação de zonas úmidas nos EUA constituem um dos mais
antigos mercados desta natureza, implicando a preservação, melhoria ou
criação de, por exemplo, uma zona úmida ou de um curso de água que
“compensa” os impactos adversos de um projecto em um ecossistema
semelhante situado em outro lugar. Para tanto, são emitidos certificados
que podem se comercializados. Os regimes de compensação relativa à
biodiversidade funcionam quase da mesma forma: uma empresa ou uma pessoa
individual pode comprar “créditos de biodiversidade” (cujo produto é utilizado para apoiar a conservação da floresta) para compensar a sua pegada de carbono.
Se estes regimes
parecem um pouco convenientes demais, é porque o são. De fato, esses têm
por base o mesmo conceito errado do comércio de emissões e, em alguns
casos, traduzem (ou equivalem) efetivamente a biodiversidade e os
ecossistemas em CO2e. Em vez de alterar o nosso sistema econômico de
modo a ajustá-lo aos limites naturais do planeta, estamos a redefinir a
natureza para adaptá-la ao nosso sistema económico e, nesse processo,
acabamos por descartar outras formas de conhecimento e alternativas
reais.
Atualmente, na sequência da Conferência das Partes (COP21) sobre as alterações climáticas, realizada em Paris, o mundo está prestes a evoluir novamente no mau sentido, ao aprovar a ideia de “emissões negativas”,
que pressupõe que as novas tecnologias serão capazes de remover CO2 da
atmosfera. Contudo, estas tecnologias ainda não foram inventadas, e
mesmo que o tivessem sido, a sua implementação seria extremamente
arriscada.
Em vez de propormos
soluções comprovadas (deixar os combustíveis fósseis no subsolo, fazer a
transição da agricultura industrial para a agroecologia, criar
economias que não gerem resíduos e restaurar os ecossistemas naturais),
contamos com uma inovação milagrosa para nos salvar, um deus ex machina, no momento oportuno. A insensatez desta abordagem deveria ser óbvia.
Se a métrica do
carbono continuar a moldar a política em matéria de clima, as novas
gerações apenas conhecerão um mundo com restrições às emissões de
carbono e, se tiverem sorte, com baixas emissões de carbono. Em vez de
prosseguir em uma visão tão simplista, devemos procurar estratégias mais
ricas destinadas a transformar os nossos sistemas econômicos para
trabalhar no - e com - o nosso ambiente natural. Para tanto, é
necessária uma nova forma de pensar que estimule o compromisso ativo de
recuperar e conservar os espaços onde as abordagens alternativas podem
crescer e florescer. Não será fácil, mas valerá a pena.
Tradução: Teresa Bettencourt
Fonte: Project Syndicate
Fonte: Project Syndicate
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