sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Ameaças à Mãe Terra e como enfrentá-las

  
Há quatro ameaças que pesam sobre a nossa Casa Comum e que exigem de nós especial cuidado.
A primeira é a visão pobre da Terra sem vida e sem propósito dos tempos modernos. Ela foi entregue à exploração impiedosa em vista do enriquecimento. Tal visão que trouxe benefícios inegáveis, acarretou também um desequilíbrio em todos os ecossistemas que provocaram a atual crise ecológico generalizada. Nesse afã foram eliminados povos inteiros como na América Latina, devastaram-se a floresta atlântica e, em parte, a Amazônia e o cerrado.
Em janeiro de 2015 18 cientistas publicaram na famosa revista Science um estudo sobre “Os limites planetários: um guia para um desenvolvimento humano num mundo em mutação”. Elencaram 9 dados fundamentais para a continuidade da vida. Entre eles estavam o equilíbrio dos climas, a manutenção da biodiversidade, preservação da camada de ozônio, e controle da acidificação dos oceanos entre outras. Todos os itens encontram-se em estado de erosão. Mas dois são os mais degradados, que eles chamam de “limites fundamentais”: a mudança climática e a extinção das espécies. O rompimento destas duas fronteiras fundamentais pode levar a civilização ao colapso.
Cuidar da Terra neste contexto significa que ao paradigma da conquista que devasta natureza devemos opor o paradigma do cuidado que preserva a natureza. Este cura as feridas passadas e evita as futuras. O cuidado nos leva a conviver amigavelmente com todos os demais seres e a respeitar os ritmos da natureza. Devemos, sim, produzir o que precisamos para viver, mas com cuidado e dentro dos limites suportáveis de cada região e com a riqueza de cada ecossistema. À Terra como baú de recursos devemos opor a compreensão atual da Terra como Grande Mãe e Gaia, super-organismo vivo.
A segunda ameaça consiste na máquina de morte das armas de destruição em massa: armas químicas, biológicas e nucleares. Elas já estão montadas e podem destruir toda a vida do planeta por 25 formas diferentes. Como a segurança nunca é total devemos cuidar para que não sejam usadas em guerras e que o mecanismos de segurança sejam cada vez mais severos.
À esse ameaça devemos opor uma cultura da paz, do respeito aos direitos da vida, da natureza e da Mãe Terra, a distensão e do diálogo entre os povos. Ao invés do ganha-perde, viver o ganha-ganha buscando convergências nas diversidades. Isso significa criar equilíbrio e gerar o cuidado.
A terceira ameaça é a falta de água potável. De toda água que existe na Terra apenas 3% é água doce, o resto é salgada. Destes 3%, 70% vão para a agricultura, 20% para a indústria e somente destes 0,7%, 10% vão para a dessetentação humana e animal É um volume irrisório o que explica que mais de um bilhão de pessoas vivem com insuficiência de água potável.
Cuidar da água da Terra é cuidar das florestas, pois são elas as protetoras naturais de todas as águas. Cuidar da água exige zelar para que as nascentes sejam cercadas de árvores e todos os rios tenham sua mata ciliar, pois são elas que alimentam as nascentes. Ocorre que mais da metade das florestas húmidas foram desmatadas, alterando os climas, secando rios ou diminuindo a água dos aquíferos. O que melhor podemos sempre fazer é reflorestar.
A quarta grande ameaça é representada pelo aquecimento crescente da Terra. Pertence à geofísica do planeta que ele conheça fases de frio e fases de calor que sempre se alternam. Ocorre que este ritmo natural foi alterado pela excessiva intervenção humana em todas as frentes da natureza e da Terra. O dióxido de carbono, o metano e outros gases do processo industrialista criaram uma nuvem que circunda toda a Terra e que retém o calor aqui em baixo. Estamos próximos a 2 graus Celsius. Com esta temperatura pode-se ainda administrar os ciclos da vida.
A COP21 de Paris do final de 2015 criou um consenso entre as 192 nações de fazer tudo para não chegar a dois graus Celsius tendendo a 1,5 o nível da sociedade pré-industrial. Se ultrapassar este a espécie humana estará perigosamente ameaçada.Pena que tais decisões não tenham valor legal mas sejam apenas voluntárias.
Não sem razão que os cientistas criaram uma nova palavra para qualificar nosso tempo: o antropoceno. Este configuraria uma nova era geológica, na qual o grande ameaçador da vida, o verdadeiro Satã da Terra, é o próprio ser humano em sua irresponsabilidade e falta de cuidado.
Outros aventam a hipótese segundo a qual a Mãe Terra não nos quereria mais vivendo em sua Casa. Arranjaria um modo de nos eliminar, seja por um desastre ecológico de proporções apocalípticas seja por alguma super-bactéria poderosíssima e inatacável, permitindo assim que as outras espécies não se sentissem mais ameaçadas por nós e possam continuar no processo da evolução.
Contra o aquecimento global devemos buscar fontes alternativas de energia, como a da biomassa, a solar e a eólica, pois a fóssil, o petróleo, o motor de nossa civilização industrial, produz, em grande parte, o dióxido de carbono. Devemos viver os vários êrres (r) da Carta da Terra: reduzir, reusar e reciclar, reflorestar, respeitar e rejeitar todo o apelo ao consumo. Tudo o que possa poluir o ar deve ser evitado, para impedir o aquecimento global.
Se não começarmos com mudanças substanciais o futuro comum Terra-Humanidade corre risco. Vivemos tempos de urgência e de irreversibilidade. A Terra nunca mais será como antes. Temos que cuidar para que as transformações que lhe temos introduzido sejam benéficas para a vida e não o seu holocausto.
Leonardo Boff é colunista do JB on line e escreveu Os direitos do corção. Paulus 2016

A Europa tornou-se refém dos bancos e da austeridade que alimentam populismos

O economista e jesuíta francês Gaël Giraud apresenta o seu último livro "Transição ecológica" e ataca todo o sistema financeiro: "Os governos democráticos devem retomar o poder". Ele adverte contra os riscos climáticos: "Os danos vão custar centenas de bilhões de euros". E aponta o dedo contra Berlim e Bruxelas por causa do "martírio da Grécia" e da insistência na austeridade: "Na Alemanha, as mesmas políticas abriram o caminho para o poder de Hitler".
A reportagem é de Giuliano Balestreri, publicada no jornal La Repubblica, 08-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Europa é refém dos bancos. Da austeridade e dos burocratas ancorados "nos absurdos" parâmetros de Maastricht. Pior ainda, os cortes dos gastos públicos impedem a transição ecológica para uma sociedade pós-carbono: "Os bilhões poupados hoje não serão suficientes para cobrir os danos causados pelas catástrofes ambientais que eles não querem evitar".
Pensamentos e palavras de Gaël Giraud, economista francês, conselheiro pessoal – "mas pouco ouvido" – do presidente François Hollande, mas também sacerdote e jesuíta. Uma vocação que veio depois de um brilhante início de carreira em um banco de investimentos. Uma carreira tão veloz a ponto de atordoá-lo depois de lhe ter aberto os olhos sobre o sistema financeiro que ele define como "o bezerro de ouro dos nossos tempos. Ele no fascina, mas não nos sacia".
Para Giraud, a transição ecológica – que intitula o seu último livro, publicado em italiano pela Emi, Transizione ecologica – e o sistema bancário estão intimamente ligados por estarem em antítese, embora as finanças poderiam ser a chave para um um futuro melhor, "mas somente se os governos democráticos retomarem o poder".
Nota da IHU On-Line: Gaël Giraud, estará na Unisinos, nos dias 12 a 16 de setembro. Ela participará do IV Colóquio Internacional IHU Políticas Públicas, Financeirização e Crise Sistêmica, nos dias 13 e 14 de setembro. No dia 12, proferirá a conferência "O pensamento social da Igreja à luz do pontificado de Francisco". E nos dias 15 e 16 ministrará um curso na Escola de Gestão e Negócios da Unisinos.
Eis a entrevista.
A queda do petróleo está acelerando a transição, mas as motivações são apenas econômicas. O que vai acontecer quando o preço voltar a subir?
Do lado da demanda, na realidade, a queda do petróleo desacelerou a transição energética, porque desapareceram os incentivos para reduzir o seu consumo por parte das empresas. Este, portanto, seria o momento ideal para aumentar os impostos sobre os produtos petrolíferos, de modo a incitar os consumidores a serem mais virtuosos. Em vez disso, por um triste cálculo político de curto prazo, os governos europeus não se atrevem a tomar medidas.
Do lado da oferta, no entanto, a fraqueza do petróleo acelera a transição, porque muitas jazidas não são mais rentáveis: basta pensar em quantos locais de fracking fecharam nos Estados Unidos em um ano. E diversas dezenas de bilhões de euros de investimentos foram postergadas sine die: consequentemente, nos próximos cinco a 10 anos, a oferta de petróleo será mais baixa do que o previsto, e nós estaremos despreparados.
Você pensa em um futuro sombrio...
A miopia dos governos torna muito difícil o financiamento da transição ecológica e condena a economia mundial ao desastre. Se não investirmos hoje nas infraestruturas verdes de que precisamos para ir para uma economia pós-carbono, se o mundo não investir logo para se adaptar às dramáticas consequências da desregulação climática (da escassez de água potável às inundações das zonas cultiváveis), os países do Sul irão ao encontro de desastres humanitários durante uma década. E as centenas de milhares de migrantes que fogem para a Europa ainda por causa da seca síria de 2007-2010 se tornarão milhões.
Os países do Norte, no entanto, sem investimentos, não conseguirão sair da armadilha deflacionária em que estão caindo. Os mercados financeiros têm responsabilidades enormes no sofrimento dos pobres e das classes médias, e responsabilidades ainda maiores por aquilo que corremos o risco de viver nas próximas décadas.
A culpa é mais dos governos ou das instituições financeiras?
Os mercados financeiros ocupam um lugar desmedido nas nossas economias: basta pensar que a miopia de curto prazo dos mercados é capaz de destruir um país, fazendo explodir o custo de refinanciamento da sua dívida pública. É o caso da Grécia – por exemplo – para a qual a austeridade imposta para "agradar" os mercados (de modo a permitir que Atenas recebesse novos empréstimos) causou uma perda de 25% do PIB em cinco anos, o equivalente a uma guerra civil.
Voltaremos sobre o tema dos bancos e da austeridade, mas, enquanto isso, no que se refere ao ambiente, a COP21 parece demonstrar uma renovada vontade de mudar a situação. Você concorda?
A COP21é um imenso sucesso diplomático, mostra que a comunidade internacional – pouco a pouco – toma consciência da gravidade dos desafios climáticos e energéticos. Agora, porém, é preciso implementar as promessas feitas em Paris em dezembro, e, portanto, deve ser financiada a transição energética: da reestruturação dos edifícios para reduzir a dispersão térmica à mobilidade verde, passando pela redução das emissões por parte da indústria e da agricultura. Para um país como a Itália, tal plano custaria dezenas de bilhões de euros por ano: uma pequena soma, em comparação com os benefícios de longo prazo. Os danos da inércia seriam monstruosos.
Com o clima de austeridade que paira sobre o Velho Continente, parece impossível imaginar tais investimentos.
Hoje, o drama europeu é o da deflação. O Japão caiu nesse drama em meados dos anos 1990, depois da crise imobiliária de 1990, e são mais de 20 anos que o país está afundado na areia movediça, sem conseguir sair. Nós caímos nesse drama depois da crise financeira de 2007-2009, também por causa do excesso de endividamento privado. Os problemas da zona do euro certamente não são as dívidas: com uma média de 100% do PIB, ainda estamos em uma situação razoável (ao contrário dos Estados Unidos e do Japão), embora seja evidente que nem a Alemanha, nem a França, nem a Itália conseguirão jamais zerar as suas dívidas.
Mas o erro é justamente o de perseguir a austeridade das contas: é exatamente isso que não se deve fazer em caso de deflação. Em vez de melhorar a saúde de uma economia, o PIB cai mais rapidamente do que a dívida, de modo que a relação dívida/PIB continua aumentando. Vimos isso claramente na Grécia, a mártir da Europa. Porém, a história deveria ensinar alguma coisa, especialmente aos alemães, que já experimentaram a austeridade em 1930, quando a República de Weimar parecia em deflação. A política de cortes do chanceler Henrich Brunning levou Hitler ao poder três anos depois. Um cenário que poderia perfeitamente se repetir na Europa: quando nos afogamos em deflação, é muito difícil sair. Consequentemente, as classes médias se desesperam e acabam elegendo qualquer populista que promete um amanhã melhor. Vejam o que acontece na Áustria e na França.
A Grécia parece condenada pela burocracia europeia. Na sua opinião, quem são os verdadeiros responsáveis?
A situação atual é o resultado de um bloco ideológico dos burocratas de Frankfurt, Berlim, Bruxelas e Paris – que se contentam em aplicar regras neoliberais, sem se interrogar sobre a sua pertinência – e dos bancos. Muito cinicamente, o setor bancário tenta ganhar ainda um pouco de dinheiro antes da falência de Atenas. Por outro lado, não devemos nos esquecer de que o Banco Central Europeu é capaz de pôr um país de joelhos, cotando a liquidez dos seus bancos. E é isso que ele fez uma semana antes do referendo grego, com o objetivo de obter um voto favorável nas instituições europeias. Por sorte, o povo grego não cedeu, mas o governo Tsipras se rendeu. E enquanto a política continuar sob a chantagem dos bancos, estes vão continuar impedindo toda tentativa de sair da deflação.
A deflação, porém, é inimiga dos bancos.
Mas, para sair dela, o único caminho é o de uma política econômica expansiva, e, para colocá-la em prática, os governos democráticos devem retomar o poder das mãos dos bancos. Devemos, portanto, ir além dos absurdos parâmetros de Maastricht sobre o teto da despesa pública: o limite de 3% do déficit não tem nenhum fundamento científico, e nem a Alemanha tem uma dívida inferior a 60% do PIB. É uma simples convenção arbitrária de que devemos nos livrar. Mas, para nos livrar, é necessário um verdadeiro projeto político que substitua essa utopia de um governo burocrático com regras que, hoje, se encarnam na Troika e nos bancos.
Devemos conseguir nos coordenar em torno de um verdadeiro projeto de sociedade, tendo a coragem de colocar na prisão os banqueiros fraudulentos e obrigando os outros a trabalhar pelo interesse geral. Um dos poucos que se opuseram a esse sistema foi Matteo Renzi.
Você era crítico ao primeiro-ministro do Conselho italiano. O que mudou?
Até pouco tempo atrás, de fato, eu estava muito decepcionado: ele se limitava a implementar os velhos demônios do neoliberalismo, a partir do cancelamento do contrato de trabalho a tempo indeterminado até o fim do bicameralismo perfeito (tão precioso e necessário para a democracia italiana depois da catástrofe fascista).
Mas devo admitir que me surpreendeu felizmente o modo pelo qual ele tenta se opor ao ditado alemão e ao presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker. Espero que as ações de Renzi não sejam apenas "spacconate" [fanfarronices] e que ele continue contrapondo o bom senso à ideologia do eixo Bruxelas-Berlim. Devemos esperar que Renzi resista até o fim e não se renda como Tsipras.
Realmente, a separação dos bancos comerciais dos de negócio poderia resolver todos os problemas, reduzindo o seu peso político?
Os bancos são frágeis e fracos, mas ainda têm um poder enorme. Quando o comissário europeu, Michel Barnier, tentou aprovar uma lei de separação em nível europeu, ele se chocou com o lobby bancário. No entanto, o FMI acaba de reconhecer que 40% dos grandes bancos europeus não são sólidos: e, com efeito, eles têm orçamentos tão frágeis que faliriam ao menor choque financeiro. Hoje, eles só sobrevivem graças aos empréstimos com taxas negativas do Banco Central Europeu. Um choque como o de 2008 faria falir muitos bancos europeus de sistema com um custo de mais de um bilhão de euros de perdas no PIB por 2-3 anos.
Desse ponto de vista, Matteo Renzi tinha razão ao ficar com raiva quando Angela Merkel recusou-se a apoiar o projeto de garantia europeia dos depósitos: é um plano absolutamente necessário, porque nenhum país é capaz de garantir os depósitos dos seus cidadãos. Nem a Alemanha. Só a Europa inteira poderia ajudar um país cujo sistema bancário explode. Isso aconteceu na Irlanda e na Islândia. Como é possível fazer com que economias como a Alemanha, Itália ou França corram um risco desse tipo?
Desde a eclosão da crise, discute-se a regulamentação do setor, mas o assunto continua sendo um tabu.
Ao contrário do que se diz, regulamentar o mundo das finanças não é nada difícil. Bastaria alguma medida forte para tornar o mercado mais razoável: por exemplo, separar realmente as atividades bancárias comerciais das de investimento, retirando destas últimas a garantia implícita do Estado para deixá-la só sobre os depósitos; vetar as high frequency trading [negociações de alta frequência, as operações automáticas feitas pelos computadores] permitiria evitaria os riscos de deslizes irracionais dos mercados (50% das transações financeiras na Europa são realizadas por robôs); aumentar os impostos sobre as transações financeiras frearia as especulações e ajudaria os cofres dos Estados, sem reduzir a liquidez dos mercados; regulamentar o shadow banking é fundamental, porque o mundo bancário da sombra representa metade de todo o setor e é ainda mais perigoso do que a metade "em claro".
Como você concilia as suas posições econômicas com as de sacerdote? Você realmente acredita que o mundo das finanças pode se arrepender e encontrar o caminho certo?
O sacerdócio e a minha vida de jesuíta me ajudam a não me desesperar: eu continuo acreditando que os povos europeus são capazes de não ceder aos demônios antidemocráticos e que são capazes de sair da atração dos mercados financeiros. Por isso, eu acho que é necessário se dotar de um novo grande relato coletivo, de um projeto de sociedade. É desde os anos 1970 que falta um projeto para a Europa. E, consequentemente, como o povo judeu no deserto, eu acredito que os nossos pais foram afetados pelo pânico dos anos 1980 e confiaram as suas esperanças no bezerro de ouro e nos mercados financeiros, confiando que ele lhes garantiria prosperidade.
No livro do Êxodo, Moisés faz derreter o bezerro de ouro e obriga os judeus a beber o ouro derretido, para lhes demonstrar que o ouro não sacia. Por isso, nós devemos nos dar conta de que os ativos financeiros não saciarão ninguém. Assim que sairmos desta fase, poderíamos reconstituir a grande recitação escatológica capaz de dar novamente aos europeus a força para avançar rumo à terra prometida de uma sociedade pós-carbono. A Igreja deve contribuir com a construção dessa recitação. E é isso que faz a encíclica Laudato si'.
As finanças podem se redimir?
É uma resposta que pertence apenas ao mistério da graça misericordiosa de Deus!
Veja também:

Por uma “Ciência Convivial”. A importância da agroecologia, uma alternativa à agricultura convencional. Entrevista especial com Ulrich Loening

"Uma planta que cresce em seu ambiente natural com uma alimentação equilibrada é resistente a pragas e doenças, porque os organismos causadores de doenças não terão facilidade em obter os nutrientes de que precisam. Essa é a base da trofobiose", afirma o bioquímico.

Para o professor doutor em Bioquímica Ulrich Loening, desde que o ser humano vislumbrou a revoluções agrícolas de 10 mil anos atrás, a agricultura tem perturbado ecologias locais, e agora com intensidade ainda maior”, pontua. Por isso, defende a necessidade de se romper essa lógica, estimulando formas de produções que respeitem as mais diversas ecologias do planeta. É o que o professor enfatiza ao destacar, por exemplo, que “métodos de agroecologia visando manter o húmus e os organismos do solo constituem a característica crucial da abordagem proposta”. Ou seja, uma nova relação com a terra, com a produção.
necessidade de grandes produções agrícolas, a Terra começou a ser alterada. “Desde as primeiras
Entretanto, na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Loening problematiza esse rompimento de paradigma, que vai além da introdução de outras técnicas de produção agrícola. Para ele, a questão de fundo a ser atacada é cultural. “Passa a ser uma mudança na cultura social, um modo de vida que procura não subjugar a natureza”, explica. Parece simples, mas essa sua abordagem muda a perspectiva que se tem hoje com relação, por exemplo, à ciência.
“A ciência aplicada sobre a qual nossa civilização está construída, tem raízes culturais profundas. Agora, para resolver como, onde e se os humanos poderão viver na Terra, é necessária uma atitude científica nova e culturalmente diferente”, defende. Assim, chega à sua formulação de “uma ciência que cria tecnologias ecologicamente apropriadas, que promove a relação de convívio da sociedade com a natureza, que pode ajudar a superar a antipatia de muitas pessoas contra a ciência e, acima de tudo, que pode criar uma relação mais convivial entre os seres humanos e a natureza”. É a sua “Ciência Convivial” como nova forma de apreender as ecologias do planeta.
Ulrich Loening é membro do Conselho de Administração do Centro de Ecologia Humana (Centre for Human Ecology), em Edimburgo, na Escócia. Em 1984, presidiu a entidade e se aposentou em 1995. É doutor em Bioquímica pela Universidade de Oxford, na Inglaterra. Dedicou-se ao ensino e pesquisa sobre a síntese de proteínas e ácidos nucleicos, nos Departamentos de Botânica e Zoologia, na Universidade de Edimburgo até o final da década de 80.
Ele desenvolveu vários métodos de eletroforese para análise de RNA (em Biologia, o ácido ribonucleico - sigla em português: ARN e em inglês, RNA, ribonucleic acid - é o responsável pela síntese de proteínas da célula) e seu processamento e transporte para o citoplasma e confirmou a ideia emergente que cloroplastos de plantas evoluíram a partir de simbiose com algas verde-azuladas - engenharia genética natural. Se diz um interessado por história natural, jardinagem e agricultura desde criança. Por isso, acredita que se envolveu com estudos e pesquisas sobre impactos ecológicos da sociedade.
Confira a entrevista.

IHU On-Line - No que consiste o conceito de agroecologia? O que revela enquanto modo de vida, para além de sistema ou técnica de produção no campo?
Ulrich Loening - Agroecologia é a filosofia e a prática da agricultura que leva em conta a forma como a granja ou fazenda se encaixa na ecologia da região. Em contraste com a agricultura convencional, que tem, na prática, ignorado ou atalhado processos naturais, a agroecologia tenta aproveitar processos naturais para produzir alimentos para os seres humanos. Ela enverga o ecossistema local em favor dos seres humanos, porém não muito. Por isso, passa a ser uma mudança na cultura social, um modo de vida que procura não subjugar a natureza.
IHU On-Line - Como compreender a relação entre o solo e a produção agroecológica? De que forma é possível tratar o solo enquanto organismo vivo, preservando as inúmeras formas de vida que nele existem e desenvolver a produção agrícola?
Ulrich Loening - Quase se poderia inverter essa pergunta: como conseguirá persistir a agricultura convencional com grande utilização de fertilizantes e pesticidas, tendo em vista que ela tem causado perda contínua de solos e fertilidade? Já desde as primeiras revoluções agrícolas de 10 mil anos atrás, a agricultura tem perturbado ecologias locais, e agora com intensidade ainda maior. Métodos de agroecologia visando manter o húmus e os organismos do solo constituem a característica crucial da abordagem proposta.
Mudança na estrutura econômica
A produção seria mais sustentável desenvolvendo métodos de agroecologia, mas é preciso reconhecer que, no frigir dos ovos, mesmo com essa mudança de matriz produtiva, talvez não seja possível alimentar a população humana, que vem crescendo muito. Já agora, a demanda por alimento no mundo é muito maior do que a agricultura convencional consegue atender. Ainda não estamos em estado de crise, já que alimento suficiente vem sendo produzido para alimentar todos, e muitos mais. O problema no momento é a distribuição precária e a pobreza. Isso exige primeiro uma mudança nas estruturas econômicas, e essa mudança por si mesma já poderia incentivar a agricultura mais sustentável e ecologicamente sadia.
IHU On-Line - De que forma é possível fazer controle de pragas, desde insetos até ervas daninhas, e produzir alimentos saudáveis apenas trabalhando o manejo do solo? É nisso que se apoia a Teoria da Trofobiose? Que outras perspectivas a Teoria abre?
Ulrich Loening - Uma planta que cresce em seu ambiente natural com uma alimentação equilibrada é resistente a pragas e doenças, porque os organismos causadores de doenças não terão facilidade em obter os nutrientes de que precisam. Essa é a base da trofobiose, termo inventado por Chaboussou [1] em seu livro de 1985 [2]. Mas a agricultura de acordo com a trofobiose não consegue inibir as ervas daninhas. Afinal de contas, ervas daninhas são apenas aquelas plantas que nós, incidentalmente, não desejamos, e a natureza não pode distinguir o que nós casualmente queremos colher. A interpretação da trofobiose destaca o quanto nossos métodos agrícolas convencionais, pelo menos desde meados do século 19, se baseiam em insumos químicos que substituem as formas como as plantas se nutrem.
IHU On-Line - Em que medida a compreensão das formas de vida contidas no solo (visto como um espaço micro de todo o planeta) pode contribuir com o entendimento mais amplo da biologia humana?
Ulrich Loening - Após dois séculos em que começamos a compreender a ciência da agricultura, só recentemente é que se está começando a reconhecer o significado da enorme diversidade da vida no solo. Esta nova compreensão começou com a descoberta das micorrizas na década de 1880, fungos que crescem em torno ou dentro de raízes de plantas e liberam nutrientes minerais para a planta, a qual, em troca, fornece alimento para os fungos.
Este é o maior sistema simbiótico do mundo e é provável que a vida vegetal na terra não poderia ter evoluído sem ele. Agora percebemos que milhões de micro-organismos do solo, desconhecidos em sua maioria, também ajudam as plantas a crescer de forma saudável. Esse diversificado ecossistema do solo, que tem sido comparado às complexidades de uma floresta tropical, também afeta diretamente a saúde humana. De modo semelhante, nosso sistema gastrointestinal também contém um vasto "bioma", consideravelmente influenciado de fora.
IHU On-Line - Quais os desafios para se romper com uma forma de relação mercantil entre o ser humano e a terra, que se materializa da agricultura baseada no modelo de agronegócio, e propor uma relação mais ecologicamente integral, valorizando as pequenas propriedades e produção mais limpa?
Ulrich Loening - Assim que algo é bem-sucedido, tende a fixar-se e continuar com seu próprio sucesso. Até mesmo o avanço da civilização exige que formas exitosas de vida sejam passadas de geração em geração. Apenas quando o sucesso ultrapassa seus limites num pequeno planeta, surgem problemas. É difícil alterar a maneira como pensamos, uma vez instalados o mito de Prometeu [3] de obter o fogo (poder) do céu e a atitude baconiana [4] que lançou a ciência ocidental ("conhecimento é poder"). Surge a necessidade de mudança em direção a uma relação ecológica. Eu vejo isso como desafio fundamental por excelência.
Em nível mais prático, as pequenas propriedades ("small is beautiful" – o pequeno é lindo) são parte da resposta e, atualmente, continuam sendo as que produzem a maioria dos alimentos que realmente chegam à mesa. Mas as pequenas propriedades também precisam ficar intimamente conectadas com sua situação ecológica, em vez de combatê-la. Elas precisam basear-se em ciclagem de materiais, com estreitos laços dos seres humanos com a granja, que permitem o cultivo "dedo verde". O/A agricultor/a, suas ferramentas e métodos, e o entorno, todos são parte do ecossistema local. Uma relação comercial de grande porte não consegue fazer justiça a esse fato, e assim torna-se insustentável.
IHU On-Line - Qual o papel dos governos no estímulo à agroecologia? Como avalia o desempenho de organizações civis, como cooperativas, da promoção desse estilo de vida e produção agroecológica?
Ulrich Loening - Políticos em geral não entendem de ecologia humana, talvez nem o consigam. Eles operam baseados no princípio de que sistemas financeiros eficazes no curto prazo conseguem satisfazer nossos desejos, e partem do princípio de que se algo parece bom, então mais do mesmo deve ser melhor. Mas nosso mundo, superlotado desse princípio, perde sua validade, empresas gigantescas do agronegócio rompem as ligações ecológicas e sociais que as pequenas propriedades produtivas podem ter.
A política da maioria dos governos e federações, como os Estados Unidos e a União Europeia, tem sido a de incentivar positivamente grandes fazendas, grandes empresas de suprimentos e cadeias alimentares mais longas e mais complexas. Tais políticas só podem levar a um distanciamento maior em relação às realidades ecológicas. Isso, por sua vez, faz com que empresas, mais do que os governos, governem o mundo e determinem as políticas a serem seguidas. Vemos isso agora nas negociações (a portas fechadas) para o TTIP [5], acordo de comércio internacional proposto entre a União Europeia e os Estados Unidos, que ameaça incentivar grandes corporações no sentido de controlar as políticas nacionais distantes.
Os governos têm, claramente, um papel primordial de impedir isso, assim como eles normalmente não têm deixado que monopólios interfiram no livre comércio. Provavelmente alguma forma de protecionismo é necessária, que permita desenvolvimentos locais livres de interferência externa. Obviamente este argumento econômico tem implicações sociais diretas. A liberdade individual de escolha é reprimida por grandes corporações, assim como tem sido reprimida por ditaduras totalitárias, em algumas partes do mundo.
IHU On-Line - A continuidade e crescimento da civilização pode ser compatível com a sustentabilidade ecológica global? Como articular a ideia local de sustentabilidade com a causa global?
Ulrich Loening - Esta foi a questão abordada e até certo ponto respondida pelo Relatório sobre os Limites do Crescimento elaborado para o Clube de Roma em 1972 [6]. A resposta é que não, que se continuarmos business as usual, chegaremos a um impasse. À medida que a civilização evolui, ela também precisa desenvolver-se no sentido de "adequar suas ações aos padrões da natureza", como indicou a Comissão Brundtland [7] em suas declarações de abertura em 1987. A próxima grande ideia social e científica trataria de tornar a civilização compatível com as realidades planetárias [8]. Resolver essa contradição exige uma visão global com ação local, coisa difícil de se conseguir, que em si precisa evitar o sofrimento causado pelas falhas das grandes corporações. Mas agora podemos ver novas atitudes emergindo, com grande número de pessoas da maioria dos países ansiando por melhorias.
IHU On-Line - Quais os impactos das diferentes civilizações tecnológicas nas formas de vida do planeta? Como isso repercute na agricultura?
Ulrich Loening - É notável que a "ciência" no sentido moderno surgiu na Europa, e não na China, apesar de sua antiga civilização, nem em países budistas, embora Buda [9] tenha aconselhado que "nada vem de mão beijada". Agora, esta atitude científica inicialmente europeia passou a permear o mundo inteiro. Talvez seja o momento de a Europa mais uma vez desencadear um novo Esclarecimento [ou Iluminismo] cultural/científico. Diferentemente de outros tempos, pode-se procurar soluções e sabedoria entre povos menos aculturados, cuja cultura tenha sobrevivido em alguns lugares. O conceito de "The Way" [10] (livro de Edward Goldsmith [11]), visando desenvolvimento com equidade social e ecológica de antigas raízes, pode fornecer um ethos para uma nova síntese.
IHU On-Line - No que consiste a ideia de “tecnologia apropriada” e qual sua relação com as formas de vida integrais, como a agroecologia?
Ulrich Loening - Tecnologia apropriada muitas vezes tem sido confundida com a "tecnologia intermediária" preconizada por Schumacher [12]. Eu considero apropriado aquilo que se adéqua à situação. Excelente exemplo são tecnologias que aproveitam energia do ambiente, que em última análise emana do sol e continua emanando, quer a usemos ou não. Se cobrirmos nossas necessidades de energia a partir desse fluxo, então é apropriado. Da mesma forma, a agricultura que se encaixa nos ciclos da natureza (e não apenas nas estações do ano, mas nos fluxos materiais e biológicos) conseguirá atuar e funcionar de forma sustentável. Nossa oferta de alimentos deve vir dos fluxos de nutrientes e organismos ao longo do ecossistema, causando o mínimo possível de diferenças, sejam usados ou não.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Ulrich Loening - Sim! Se somar tudo que argumentei acima, e outros estudos não incluídos aqui, você só pode chegar a uma conclusão: que a ciência aplicada sobre a qual nossa civilização está construída tem raízes culturais profundas. Agora, para resolver como, onde e se os humanos poderão viver na Terra, é necessária uma atitude científica nova e culturalmente diferente. Eu não quero dizer um método científico novo ou diferente, porque é autocriado pelo senso comum lógico, mas uma nova abordagem sobre a forma de aplicar a ciência e sobre sua motivação. Eu gosto de promover um nome para esta nova ciência: "Ciência Convivial". Deriva de “con-vivo”, que significa "com vida" [sic]. Ciência Convivial pode ser usada em muitos sentidos: é uma ciência que cria tecnologias ecologicamente apropriadas, que promove a relação de convívio da sociedade com a natureza, que pode ajudar a superar a antipatia de muitas pessoas contra a ciência, e, acima de tudo, que pode criar uma relação mais convivial entre os seres humanos e a natureza.
Por João Vitor Santos | Tradução Walter O. Schlupp

Os retrocessos no Semiário Brasileiro


Vários retrocessos vieram junto com o governo interino desde o primeiro dia. Um ministério do tempo do Brasil Império – só homens de bens e brancos, sem negros, mulheres e indígenas -, o anúncio do corte na saúde, na educação, encolhimento do SUS, desvinculação do salário dos aposentados em relação ao salário mínimo, eliminação do MINC, daí prá frente.

Dentre esses retrocessos os que mais impactam o Semiárido são o da educação, saúde e a desvinculação do salário mínimo, do qual dependem aproximadamente 100 milhões de brasileiros.

Porém, há retrocessos que o Brasil em geral não vê, a não ser nós que moramos por aqui, na busca de vida melhor para a população nordestina que sempre esteve à margem dos avanços brasileiros.

O paradigma da “convivência com o Semiárido”, ganhou carne com os programas “Um Milhão de Cisternas” (P1MC) e o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da ASA. O primeiro visando a captação da água de chuva para beber e o segundo para produzir.

Em aproximadamente 15 anos 1 milhões de famílias recebeu a cisterna para beber e cerca de 160 mil famílias uma segunda tecnologia para produzir. É lindo, até emocionante, quando em plena seca vemos espaços tomados de verde com hortaliças ao redor de uma cisterna de produção. Essas tecnologias ainda teriam que ser replicadas ao milhões para garantir a água para beber e produzir, ofertada gratuitamente pelo ciclo das chuvas.

Junto com esses programas veio a expansão da infraestrutura social da energia, adutoras simples, telefonia, internet, melhoria nas habitações rurais, estradas, etc.

A valorização do salário mínimo e o Bolsa Família injetaram dinheiro vivo nos pequenos municípios, movimentando o comércio local, o maior beneficiário desses programas.

Houve também contradições profundas, como a opção pela mega obra da Transposição de Águas do São Francisco ao contrário de adutoras simples e a implantação das cisternas de plástico por Dilma no seu último governo. Além do mais, ela estava encerrando o programa de cisternas para beber, alegando que já tinha atingido o número de famílias necessitadas.

Detalhe, o ministro para o qual ela liberou as cisternas de plástico, orientou o filho para votar contra ela na Câmara dos Deputados e agora ele é ministro das Minas e Energia.

Mas, esse avanço pressupôs a organização da sociedade civil articulada na ASA e a chegada ao poder de governos estaduais menos coronelísticos e corruptos. Sobretudo, supôs o apoio do governo federal a esses programas da sociedade civil.

Acabou. Se perguntarem ao atual presidente onde fica o Semiárido Brasileiro, é provável que ele diga que fica no Marrocos. Como não tem base na região, vai entrar pelas mãos dos velhos coronéis ou de seus descentes.

Não é possível destruir a infraestrutura construída. Ela tornou o Semiárido melhor, sem fome, sem sede, sem migrações, sem mortalidade infantil. Mas, há muito ainda a ser construído para não haver mais retorno ao ponto da miséria. Uma delas é a geração de energia solar de forma descentralizada, a partir das casas. Dilma não quis dar esse passo.

Os velhos problemas poderão voltar? No que depender das políticas públicas federais, sem dúvida nenhuma. Quem está no poder não enxerga o Semiárido.

Tempos estranhos, quando setores da sociedade brasileira preferem retroceder aos tempos da miséria total e parte da população se alegrar com esses retrocessos.

Seminário Desenvolvimento em Disputa | Transição: como passar a um outro modelo de desenvolvimento

17/05/2016
Confira a seguir a primeira mesa do Seminário Desenvolvimento em Disputa: Por uma economia a serviço da vida, cujo tema foi "Transição: como passar a um outro modelo de desenvolvimento?".
Promovido por Abong e Iser Assessoria em parceria com a Frente Parlamentar Ambientalista e a Frente Parlamentar em Defesa das Organizações da Sociedade Civil, o evento aconteceu em Brasília (DF) nos dias 17 e 18 de novembro de 2015 a fim de discutir o modelo atual de desenvolvimento e propor paradigmas alternativos que tenham as exigências ecológicas como elemento central.

Em cinco mesas, o Seminário discutiu alternativas transformadoras para temas fundamentais de nossos dias, como a questão da energia, o uso racional da água, a reinvenção da democracia e a superação do modelo produtivista/consumista de nossa economia. São todos temas centrais no debate desenvolvido pelas organizações e movimentos da sociedade civil em busca de alternativas para o atual paradigma de desenvolvimento.

Compuseram a primeira mesa de debate Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA); Ivo Lesbaupin, da Abong e Iser Assessoria; e deputado Nilto Tatto, presidente da Frente Parlamentar em Defesa das Organizações da Sociedade Civil.

Assista ao debate da primeira mesa na íntegra a seguir.


Para além da métrica do carbono

09/05/2016

BERLIM – Ao longo dos últimos dez anos, as "alterações climáticas" tornaram-se quase sinônimo de "emissões de carbono". A redução dos gases com efeito estufa na atmosfera, medidos em toneladas de "dióxido de carbono equivalente" (CO2e), tornou-se o objectivo primordial na procura da preservação do planeta. No entanto, não é concebível que uma abordagem tão simplista consiga resolver as crises ecológicas altamente complexas e interligadas que enfrentamos atualmente.
O foco quase exclusivo da política ambiental global na "métrica do carbono" reflete uma obsessão mais profunda relativa à mensuração e à contabilização. O mundo rege-se por abstrações (calorias, quilômetros, quilogramas, e agora toneladas de CO2e) que são aparentemente objetivas e confiáveis, especialmente quando incorporadas na linguagem "especializada" (frequentemente no domínio da economia). Consequentemente, tendemos a ignorar os efeitos da história de cada abstração e as dinâmicas de poder e política que continuam a moldá-la.
Um exemplo-chave de uma poderosa e algo ilusória abstração global é o produto interno bruto (PIB), que foi adoptado como a principal medida de desempenho e desenvolvimento econômico de um país após a Segunda Guerra Mundial, quando as potências mundiais se dedicavam à criação de instituições financeiras internacionais que deveriam refletir o poder econômico relativo de cada Estado membro. No entanto, atualmente o PIB tornou-se uma fonte de frustração generalizada, uma vez que não reflecte  a realidade da vida das pessoas. À semelhança da luz alta dos faróis de de um carro, as abstracções podem iluminar muito, mas podem igualmente tornar invisível aquilo que seu feixe de luz não alcança.
Ainda assim, o PIB continua a ser, de longe, a medida dominante da prosperidade econômica, refletindo a obsessão relativa à universalidade que acompanhou a expansão do capitalismo em todo o mundo. Os pensamentos complexos, matizados e qualitativos e que refletem as especificidades locais não são tão atrativos quanto as explicações lineares, abrangentes e quantitativas.
Quando se trata de alterações climáticas, esta preferência traduz-se no apoio determinado a soluções que reduzem ligeiramente as emissões “líquidas” (net, em inglês) de carbono - soluções que podem ser um obstáculo a grandes transformações econômicas ou comprometer a capacidade das comunidades para definir problemas específicos e criar soluções adequadas. Esta abordagem remonta à Cúpula da Terrarealizada no Rio de Janeiro, em 1992, onde a política em matéria de clima entrou numa via acidentada e violenta de alternativas esquecidas. Ao longo dos últimos 25 anos, foram cometidos, pelo menos, três erros críticos.
Em primeiro lugar, os governos introduziram a unidade de cálculo CO2e para quantificar de forma coerente os efeitos de gases com efeito de estufa distintos, como o CO2, o metano e o óxido nitroso. As variações entre estes gases (em termos do seu potencial de aquecimento, do tempo que permanecem na atmosfera, dos pontos onde são emitidos e da forma como interagem com os ecossistemas e as economias locais) são consideráveis. Uma única unidade de medida simplifica a questão de forma considerável, dando aos decisores políticos a possibilidade de prosseguirem com uma solução global destinada à concretização de um objetivo primordial específico.
Em segundo lugar, a cúpula da ONU sobre as alterações climáticas destacou as técnicas“de fim-de-linha” (métodos que visam a jusante a remoção dos contaminantes da atmosfera). Isso permitiu aos decisores políticos desviar a atenção do objetivo mais desafiador do ponto de vista político, o de limitar, em primeiro lugar, as atividades que produzem tais emissões.
Em terceiro lugar, os decisores políticos decidiram concentrar-se nas emissões “líquidas”, considerando os processos biológicos que envolvem solos, plantas e animais em conjunto com os processos associados à combustão de combustíveis fósseis. À semelhança das instalações industriais, os arrozais e os bovinos foram considerados como sendo fontes de emissões, e as florestas tropicais, as plantação de monocultivos florestais e os pântanos como sumidouros de emissões. Os decisores políticos começaram a procurar soluções que envolviam a compensação das emissões no exterior ao invés da sua redução no próprio país (ou na fonte).
Em 1997, ano em que o Protocolo de Quioto foi adotado, uma “maior flexibilidade” estava na ordem do dia e o comércio de certificados de emissões (ou licenças para poluir) foi a opção política privilegiada. Decorridas quase duas décadas, o esforço para compensar as emissões não se consolidou apenas na política em matéria de clima, tendo chegado também ao debate mais abrangente em matéria de política ambiental.
Novos mercados para os chamados “serviços ecossistêmicos” (ou serviços ambientais) estão surgindo em todo o mundo. Por exemplo, as medidas de compensação de zonas úmidas nos EUA constituem um dos mais antigos mercados desta natureza, implicando a preservação, melhoria ou criação de, por exemplo, uma zona úmida ou de um curso de água que “compensa” os impactos adversos de um projecto em um ecossistema semelhante situado em outro lugar. Para tanto, são emitidos certificados que podem se comercializados. Os regimes de compensação relativa à biodiversidade funcionam quase da mesma forma: uma empresa ou uma pessoa individual pode comprar “créditos de biodiversidade” (cujo produto é utilizado para apoiar a conservação da floresta) para compensar a sua pegada de carbono.
Se estes regimes parecem um pouco convenientes demais, é porque o são. De fato, esses têm por base o mesmo conceito errado do comércio de emissões e, em alguns casos, traduzem (ou equivalem) efetivamente a biodiversidade e os ecossistemas em CO2e. Em vez de alterar o nosso sistema econômico de modo a ajustá-lo aos limites naturais do planeta, estamos a redefinir a natureza para adaptá-la ao nosso sistema económico e, nesse processo, acabamos por descartar outras formas de conhecimento e alternativas reais.
Atualmente, na sequência da Conferência das Partes (COP21) sobre as alterações climáticas, realizada em Paris, o mundo está prestes a evoluir novamente no mau sentido, ao aprovar a ideia de “emissões negativas”, que pressupõe que as novas tecnologias serão capazes de remover CO2 da atmosfera. Contudo, estas tecnologias ainda não foram inventadas, e mesmo que o tivessem sido, a sua implementação seria extremamente arriscada.
Em vez de propormos soluções comprovadas (deixar os combustíveis fósseis no subsolo, fazer a transição da agricultura industrial para a agroecologia, criar economias que não gerem resíduos e restaurar os ecossistemas naturais), contamos com uma inovação milagrosa para nos salvar, um deus ex machina, no momento oportuno. A insensatez desta abordagem deveria ser óbvia.
Se a métrica do carbono continuar a moldar a política em matéria de clima, as novas gerações apenas conhecerão um mundo com restrições às emissões de carbono e, se tiverem sorte, com baixas emissões de carbono. Em vez de prosseguir em uma visão tão simplista, devemos procurar estratégias mais ricas destinadas a transformar os nossos sistemas econômicos para trabalhar no - e com - o nosso ambiente natural. Para tanto, é necessária uma nova forma de pensar que estimule o compromisso ativo de recuperar e conservar os espaços onde as abordagens alternativas podem crescer e florescer. Não será fácil, mas valerá a pena.
Tradução: Teresa Bettencourt
Fonte: Project Syndicate

Discutir as cidades, sem perder tempo

09/05/2016


"Quando se discutem esses temas, um dos primeiros embaraços está no problema de 40% dos domicílios urbanos brasileiros não estarem conectados a redes de esgotos; e dos esgotos coletados, nem metade é tratada", escreve Washington Novaes, em artigo publicado por O Estado de S. Paulo, 01-04-2016.






Eis o artigo.

Só pode ser bem-vinda a realização nesta semana, em São Paulo, do evento “Caminhos para as cidades”, já que estimativas calculam em 30% a população de zonas urbanas brasileiras que só se desloca a pé todos os dias e consome para isso mais de uma hora e meia, em média, nas maiores cidades. Para essa parcela e para deficientes físicos que se deslocam em cadeiras de rodas a situação e as regras da “caminhabilidade” são decisivas.

Um dos caminhos em discussão é o uso de aplicativos para registrar problemas como buracos, postes mal sinalizados, calçadas muito estreitas, rampas de saída de garagens, degraus e outros obstáculos que impedem ou dificultam a mobilidade de quem se move a pé ou em cadeiras de rodas, assim como problemas nas áreas de seguranças, sinalização e outros – de modo a orientar ações públicas. Só na Região Metropolitana de São Paulo, com 20,9 milhões de habitantes (Unicamp, 22/3), registram-se diariamente 43,7 milhões de deslocamentos. Isso pode ser traduzido para cerca de 15 milhões de deslocamentos por pedestres.

E embora praticamente não se ouça falar de macroplanejamentos para essas questões, a Prefeitura de São Paulo tem mencionado um “novo zoneamento” para a cidade que permita em certas áreas altura máxima de 40 metros (14 andares) para prédios que hoje só podem ter, no máximo, 28 metros (8 andares). Uma “ideia aloprada”, como qualificou editorial deste jornal (2/3, A3). Da mesma forma que poderia ser qualificada a tese lançada pelo prefeito de “derrubar o Minhocão” ou de fechá-lo por um , dois ou três meses para verificar a “resposta de pedestres e condutores de veículos” (18/3, A3).

Vai-se considerar, por exemplo, ao discutir a expansão urbana, que São Paulo tem hoje mais de 2 milhões de metros quadrados em imóveis sem uso – um número equivalente a duas Heliópolis, como lembrou este jornal (22/3)? Ou ainda que 15 bairros da cidade “encolhem” há duas décadas, por motivo variados (Folha de S.Paulo, 27/3)? Como se pretende encarar as duas questões? Trabalho recentemente discutido na Universidade de Campinas (24/3) por Aparecido Soares da Cunha tratou da tese de que São Paulo, Rio de Janeiro, Santos, Campinas e as cidades do Vale do Paraíba tendem a formar um grande e único aglomerado .

Quando se discutem esses temas, um dos primeiros embaraços está no problema de 40% dos domicílios urbanos brasileiros não estarem conectados a redes de esgotos; e dos esgotos coletados, nem metade é tratada. Grande parte das fezes humanas produzidas (15 milhões de toneladas/ano) vai ser despejada em rios. Segundo o IBGE, menos de 50% dos municípios dispõem de sistemas de coleta e tratamento eficientes, que recebem cerca de 400 mil metros cúbicos diários. O déficit é enorme: pode-se lembrar que cada ser humano gera 200 gramas diários de fezes, total de cerca de 40,8 mil toneladas diárias. Só que apenas 40,8% dos esgotos são tratados, segundo o Ministério do Meio Ambiente (24/3). O restante – esgotos coletados, mas não tratados – vai, juntamente com os esgotos não recolhidos pelo sistema, poluir os cursos d’água.
Pouco se faz também ou se planeja para enfrentar o alto nível de poluição do ar nas zonas urbanas – muito acima do máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde –, principalmente por causa de combustíveis usados em mais de 80 milhões de veículos que já circulam. E agora, apesar da recessão, planeja-se para este ano a venda de mais 1,68 milhão de novos veículos – no ano passado foram vendidos 2,56 milhões; em 2012, mais de 3,8 milhões (Estado, 5/3).

O problema das águas torna-se ainda mais grave quando se lembra a advertência do Programa Hidrológico Internacional: se nada for feito para conter a crise que já está aí, teremos uma queda de 20% no suprimento mundial de água potável, com uma progressão sempre que se registrar o aumento de um grau Celsius na temperatura mundial. Menos água e mais poluída. E ainda continuamos desperdiçando 36,4% da água disponível no País. A principal causa – encanamentos velhos – ocorre antes mesmo de a água chegar às casas e a outros consumidores. Uma consulta pública está em andamento sobre o Plano Nacional de Recursos Hídricos para 2016-2020, que se debruçará também sobre a gestão adequada de metais pesados – para evitar problemas na água e no ar –, assim como sobre a segurança de barragens. E ainda sobre a dessalinização de água no Semiárido brasileiro, que já beneficia mais de 480 mil pessoas.

É preciso lembrar igualmente a questão dos resíduos. Segundo a associação das empresas de limpeza (Abrelpe), no ano passado foram coletados 164 milhões de toneladas (pouco mais de 450 mil por dia), quando outras estimativas de produção de lixo domiciliar têm sido de cerca um quilo por dia por pessoa – o que significaria mais de 200 mil toneladas diárias. Mas grande parte disso vai para mais de mil lixões no País todo. Brasília, a capital da República, tem um dos maiores, próximo da Esplanada dos Ministérios e da sede do governo distrital. O Congresso Nacional marcou para 2012 a data final para a extinção dos lixões, mas o ultimato não foi ouvido. E mesmo onde não há lixões, a coleta costuma ser deficiente, lixo e sujeira atravancam ruas – até mesmo com lixo orgânico, que responde por metade do lixo total.

Já são muitos os estudos que apontam para um forte crescimento das populações em áreas urbanas. Seremos mais de 7 bilhões de pessoas no mundo, dois terços dos quais em cidades. Até 2030 haverá no mundo 41 megacidades, cada uma delas com mais de 10 milhões de pessoas (Estado, 20/3), incluídas São Paulo e Rio de Janeiro. Pode-se tentar imaginar a dimensão dos problemas, partindo da gravidade de hoje.

Fonte: IHU

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Ivo Poletto debate alternativas para geração de energia


Em programa de rádio do Fórum de Mudanças Climáticas, Ivo Poletto fala sobre a importância do sol como fonte de energia, a exemplo de experiência que está sendo desenvolvida no sertão da Paraíba. O sociólogo mostra que a experiência pode ser também fonte de participação, de exercício da cidadania.
Clique aqui e ouça na íntegra.

Ouça na íntegra

Inteligência Ambiental - A Festa do Umbu e da Vida em Uauá

04/05/2016
Por Roberto Malvezzi (Gogó)
Você quer ver mel em abundância, cerveja de umbu (25 reais a longuinete), bode assado com macaxeira por todo lado, geleia de umbu, compota de umbu, suco de maracujá da caatinga, rendas, artesanatos e tantos produtos que mostram a abundância da vida no Semiárido Brasileiro? Então você deveria ter ido ao 7º Festival do Umbu em Uauá, organizado pela Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (COOPERCUC).

Estamos saindo de uma seca de cinco anos, sendo dito que estamos atravessando a “maior crise econômica do Brasil da história”, que em outras épocas significaria que metade de Uauá deveria estar por outros lados do mundo, menos no sertão nordestino. E totalização dessa produção alcança cerca de 200 toneladas por ano.

Ali, onde nasce o Vaza Barris, hoje um rio seco, onde logo abaixo Conselheiro encontrou um lugar onde “jorrava leite e mel” (Canudos), às margens do Vaza Barris, sertão antigamente dito como “bravo”, a festa foi grande, cheia de vida, de produtos, de gente. O mesmo povo que começou a festa na sexta pela noite ainda estava lá 4 h da manhã do domingo, dançando ao som da música típica da região, embora sempre apareça algum forró eletrônico para quebrar a beleza musical.

O paradigma de “convivência com o Semiárido”, intuído por homens como Guimarães Duque, Celso Furtado (Discurso de inauguração da SUDENE, 1959), foi tirada do papel e da imaginação pela sociedade civil nos últimos anos, que lhe deu carne, na troca de experiências acumuladas pela população sertaneja, com sua captação de água de chuva, o manejo da caatinga, uma agricultura conforme o ambiente, pelo cultivo do umbu, do maracujá do mato, dos animais adaptados ao Semiárido como a cabra e a ovelha. Então, a vida veio abundante, mesmo em tempos de seca.

Essas são conquistas dos últimos 20 anos, com programas construídos pela sociedade civil como a ASA (Articulação no Semiárido Brasileiro), ou por componentes como o IRPAA (Instituto Regional da Pequena Agropecuária Adaptada). Não veio dos coronéis, nem do Estado, mesmo esse um pouco mais modernizado. O que houve foi o apoio econômico dos últimos governos, o que deu escala a esse trabalho, com mais de 1 milhão de cisternas para beber e mais de 150 mil tecnologias de produção implantadas.

A COOPERCUC tem mercado interno e externo, seus produtos vão para a Itália, França e Áustria. Essa é a prova que a “irrigação” não é o único veio produtivo do Nordeste e nem o principal. O PIB da irrigação gira em torno de 2 bilhões de reais ao ano, enquanto o PIB do sequeiro em 2008 já girava em torno de 140 bilhões de reais ao ano. Portanto, os números desmentem os mitos.

Parabéns à COOPERCUC, trabalho que mostra a beleza e a viabilidade do sequeiro nordestino, com a caatinga em pé, ambiente preservado e cheio de vida. O único caminho para os biomas brasileiros sobreviverem é o da “convivência”.

Quem tem inteligência ambiental sabe.


Fonte: Site do Gogó

O preço do “capitalismo verde”

04/05/2016
Com críticas à privatização da natureza e mercado de carbono, participantes de debate em SP afirmam: saída para crise ambiental é ação política, e inclui mudanças nos padrões de consumo e desperdício

Por Daniel Santini

A Fundação Rosa Luxemburgo (FRL) realizou em São Paulo o debate internacional “Quem tem medo do capitalismo verde?”, com a participação da jornalista Daniela Chiaretti, do jornal Valor Econômico; do cientista político alemão Thomas Fatheuer, integrante da rede Cooperação Brasil (KoBra); do diretor do departamento internacional da FRL, o também alemão Wilfried Telkämper; e do ativista ambiental holandês Winnie Overbeek, do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais.

Com histórias e perspectivas distintas, os quatro debatedores apresentaram leituras diferentes sobre alguns dos aspectos mais atuais relacionados à economia verde, mas, em linhas gerais, a conversa foi marcada por críticas ao mercado de carbono, aos resultados da conferência do clima e às propostas de privatização da natureza.

Um debate político

Para Wilfried Telkämper, não dá para analisar a crise ambiental sem considerar seus aspectos políticos e econômicos. Fazendo referência ao título do debate, ele associou logo de início a degradação ambiental a este fenômeno. “Eu tenho medo é do capitalismo, que destrói a base da existência de tantas pessoas. O capitalismo verde é parte do capitalismo”, afirmou, lembrando que Karl Marx já defendia que é preciso levar em conta a relação entre homem e natureza ao se analisar relações sociais e econômicas (para mais referências sobre marxismo e ecologia, vale conferir entrevista com o sociólogo Klaus Meschkat).

Ex-integrante do Partido Verde alemão, Wilfried iniciou sua carreira política nos anos 1970 como ativista antinuclear e hoje é integrante do partido Die Linke (A Esquerda, em alemão), ao qual a FRL está ligada. Ele defende que as estratégias de financerização da natureza, com a participação das Bolsas de Valores e hedge funds(fundos de investimento de risco) na formação de novos “mercados verdes”, não tem como objetivo evitar a degradação, mas sim lucrar com a situação. “Esse é o principal problema”.

Neste sentido, argumenta que é simbólico o interesse no tema por parte de empresas petrolíferas e conglomerados químicos, que dominam o segmento de insumos agrícolas (agrotóxicos e adubos sintéticos) com grave impacto ambiental e social. Ele critica os que limitam a discussão a questões técnicas, como se o problema climático pudesse ser resolvido com fórmulas econômicas ou avanços científicos. “Não é uma questão tecnológica, mas sim de pressão política. É preciso ação política principalmente em relação às nações industriais, que são as maiores emissoras de carbono, para que se evite que a catástrofe seja maior ainda”, defende. “Estou falando de pressão local e também de agir já e mudar totalmente a forma como vivemos”. Ele menciona como exemplo a mobilidade nas cidades, com o transporte individual sendo priorizado em detrimento ao transporte público, com políticas que beneficiam a indústria automobilística. “Tudo precisa ser levado em consideração não amanhã, mas hoje. E isso significa ação política também”.

O político e ecologista é de uma corrente que defende um socialismo democrático com engajamento em questões ambientais. Acompanhou a 21ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-21), em Paris, em 2015 (leia cobertura completa da participação da FRL em inglês). É crítico ao acordo resultante do encontro. “O problema é que não foram acordadas medidas concretas, mas declarações de intenções”, diz, para mesmo assim apontar que que é preciso o documento final da COP e utilizá-lo para fazer pressão. “Leiam o acordo. Participem da discussão a partir da ação política”. (Veja o acordo final do encontro em inglês em formato PDF).

Diplomacia verde e a COP 21

Se o político alemão faz críticas à COP 21, a jornalista e colunista Daniela Chiaretti, do Valor Econômico, defende que a convenção é “inspiradora e há ideias interessantes”. Com o cuidado de destacar que as discussões podem servir como uma “bússola”, ela cita que é preciso “não dar peso demasiado, mas também não subestimar” os resultados e menciona como uma das perspectivas interessantes do encontro a ideia de limitar o aquecimento até 2100 em apenas 2ºC; ou 1,5ºC, em uma meta mais ambiciosa.

Daniela Chiaretti, jornalista do Valor Econômico. Foto: Gerhard DilgerComo repórter especial de meio ambiente desde 2005, ela acompanhou in loco as últimas conferências ambientais e defende que não existe uma única grande solução para os problemas, mas sim “muitas soluções”. Ela ressalta que a discussão é ampla, e é necessário considerar múltiplos aspectos – como, por exemplo, o fato de estudos indicarem que, em desastres ambientais, morrem mais mulheres do que homens. Neste sentido, pontua que o resultado do último encontro foi positivo. “Não é que eu sou otimista com o Acordo de Paris, mas acho que o mundo é melhor com um acordo de clima do que sem. E acho que existem tantas ambiguidades nesse acordo e tanto espaço para que as coisas sejam diferentes. Espaço de luta, de pressão. Não é porque o acordo existe que tudo está dado”.

Ela defende que as pessoas precisam se envolver nas discussões e que o tema deveria estar nas escolas, e também que é preciso olhar “sem preconceito” para as novas soluções e fórmulas apresentadas. De todos os participantes, ela foi a que mais defendeu que soluções financeiras devem sim ser consideradas como possíveis saídas para a crise ambiental. “O Acordo de Paris e as discussões de clima não discutem o capitalismo, elas estão inseridas no capitalismo. O discurso econômico já interpretou com rapidez toda essa discussão”, afirma, para apontar como, por exemplo, a questão da “descarbonização” se tornou chave nas negociações em curso.

Descarbonização é o termo usado para se falar em reduzir ou “neutralizar” emissões de carbono – bandeira adotada com força por uma China que, no lugar de petróleo, aposta cada vez mais em energia nuclear para sustentar seu agressivo modelo de desenvolvimento. A jornalista cita que já é possível falar em “geopolítica de carbono”, e defende que o conceito pode ser útil para discussões sobre responsabilidade em degradação ambiental; em uma cidade, por exemplo, daria para tentar medir quais “bairros emitem mais carbono”.

Citando o artigo que escreveu para o jornal sobre negócios e clima, no qual narra o encontro durante a conferência entre o canadense Mark Joseph Carney, presidente do banco central britânico, o Bank of England, e o empresário e ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, ela menciona como, mesmo entre investidores, já surge a preocupação de reconsiderar o valor de ativos em combustíveis fósseis, e que analistas já sugerem prudência em planos de expandir produção de petróleo – o que implicaria, por exemplo, em rever a extração do Pré-Sal no Brasil. Tal cuidado de imediato está relacionado à queda no preço no mundo todo, mas, na visão da analista, também a uma leitura por parte do setor financeiro de que os acordos do clima acabarão por influenciar e frear o uso de combustíveis fósseis em algum momento.

Florestas sem gente e o mercado de carbono

Justamente a perspectiva de crescimento da negociação de emissões de carbono é, para o ativista ambiental Winnie Overbeek, o resultado mais grave da Conferência de Paris. Ressaltando que o acordo negociado “não tem referência aos direitos humanos”, ele argumenta que foram estabelecidas falsas soluções que beneficiam as empresas e permitem que elas sigam atuando da mesma maneira. “O acordo não menciona a causa do problema, a conversa é sobre como compensar, não sobre como reduzir”, afirma, chamando a atenção para os limites de se utilizar as emissões de carbono como métrica para tentar quantificar os impactos ao meio ambiente.

O ativista Winnie Overbeek, do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais. Foto: Gerhard DilgerEle alerta para as empresas que apresentam fórmulas para “neutralizar” emissões de combustíveis fósseis a partir da preservação de florestas ou mesmo do plantio de árvores, lembrando que há até as que já falam em “emissões negativas” de carbono. “A equação é aceita, mas para o clima é diferente o impacto”, argumenta. ” O petróleo que vem do subsolo é um carbono armazenado há muito tempo. Nos últimos 200 ou 300 anos começamos a retirá-lo do solo, o que levou a um aumento da concentração de carbono na atmosfera. Conservar uma floresta que seria desmatada não é o mesmo, mas eles tratam como se fosse igual manter o carbono do subsolo. A absorção de carbono por uma floresta é temporária. Quando se tira carbono do subsolo, a quantidade na atmosfera aumenta e vai continuar aumentando”, diz. “As empresas de petróleo fizeram uma grande festa, assim como outras indústrias que dependem do petróleo, como as do agronegócio. Vão continuar emitindo, só que agora podem compensar”, completa.

Como coordenador internacional do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (World Rainforest Movement) ele tem acompanhado o impacto de projetos de compensação de carbono do tipo REDD e REDD+ no Acre, uma das regiões consideradas pela organização “laboratório do mundo” em relação a este tipo de estratégia. “As populações como ficam? Em cada projeto desses eles têm que dizer que a floresta será desmatada; se não tiver desmatamento, não tem o que compensar. Mas não há desmatamento hoje, é um desmatamento que acham que vai acontecer em 30, 40 anos. Então fazem grossos relatórios projetando isso e os culpados pelo desmatamento que vai acontecer nunca são hidrelétricas ou plantações, mas sim a população local”.

O resultado, afirma o ativista, é que comunidades têm sido expulsas das florestas em que sempre viveram, camponeses e ribeirinhos acabam proibidos de cortar árvores para fazer canoas, ou pescar e caçar, tudo ao mesmo tempo em que projetos de mineração, hidrelétricas, extração de petróleo e agropecuária continuam avançando sem nenhuma restrição. Ele critica o papel das ONGs conservacionistas neste jogo, aponta que elas defendem que “floresta boa é floresta sem gente”, e diz que muitas “andam de mãos dadas com as corporações” nas negociações internacionais. Também critica a maneira como tais projetos são propagandeados, com investimento pesado em marketing e pouca discussão concreta com as comunidades afetadas.

“Na prática se pretende resolver a crise climática compensando uma coisa que não está sendo compensada, continuando a aumentar as emissões, e culpando a população que menos contribui com o desmatamento. Não se está trabalhando com as causas. Quem está por trás é o grande capital, é o capitalismo baseado neste modelo de produção para o consumo global. É uma injustiça social da qual muito pouco se fala”, defende.

Caminhos possíveis

Em sintonia com os demais palestrantes, o cientista político e filólogo Thomas Fatheuer aponta como solução para o enfrentamento da crise ambiental mudanças no modo de vida e produção. Assim como Wilfried Telkämper, ele ressalta que o problema não é meramente tecnológico ou econômico, mas principalmente político. Na mesma linha de Daniela Chiaretti ele também considera que as negociações do clima estão alterando de forma significativa a maneira como as relações econômicas se estruturam. Ele ressalta que, em um cenário em que surge a figura dos “serviços ambientais” e no qual se discute a financerização da natureza, “a mudança no capitalismo é profunda”. Como Winnie Overbeek, porém, é crítico em relação às negociações de carbono. “Estão usando a descarbonização como um jeito de continuar a usar fósseis”, afirma o cientista político, que é coautor do livro “Crítica à economia verde”, disponível em alemão.

Cientista político Thomas Fatheuer. Foto: Gerhard Dilger Fatheuer dirigiu de 2003 a 2010 o escritório do Rio de Janeiro da Fundação Heinrich Böll, instituição ligada ao Partido Verde alemão. Hoje é integrante do grupo Cooperação Brasil (KoBra) e, com a facilidade de quem acompanha tanto a situação política da Europa quanto a da América Latina, faz comparações e apresenta problemas comuns aos dois continentes relacionados à economia verde. “Quero dar um exemplo do perigo de um caminho que não está certo. Existe uma discussão antiga sobre o que fazer com transporte aéreo dentro da convenção do clima. A associação internacional das companhias aéreas, a IATA (International Air Transport Association), assumiu um compromisso de reduzir até 2025, 2030, as emissões em 30%. Ao mesmo tempo, o tráfego aéreo está aumentando. Como esse milagre vai acontecer?”, questiona.

“A maneira mais efetiva de reduzir o CO2 por pessoa é reduzir o espaço no avião. Isso já foi feito. Eu já não caibo mais em um avião com o meu tamanho, então não dá para reduzir mais. As máquinas são um pouco mais eficientes, também não dá para reduzir assim. O milagre vai acontecer pelo crédito de carbono”, explica. “Com a compensação, você cria um mundo em que as emissões aumentam, mas ao mesmo tempo diminuem. O que deveríamos fazer é discutir o tráfego aéreo, não faz sentido voar para alguns lugares. Tudo é feito para continuar igual, sem se discutir mudar o modo de produção e estilo de vida. Isso é o capitalismo verde”, defende.

Ele cita que, assim como a indústria aérea, a automobilística tenta estratégias parecidas. Em vez da priorização do transporte público e da redução do número de viagens individuais com carros privados, o que se discute é a compensação ambiental pelas emissões. “Temos que pensar é na maneira do trânsito, temos que sair do modelo de trânsito individual das grandes cidades. Falo da Alemanha, não vou dar palpite no Brasil, os brasileiros que têm que discutir isso, mas na Alemanha tenho certeza que temos que fazer essas mudanças e essa política de compensações está impedindo essas mudanças e não impulsionando. Isso é real e visível”.

Ao mesmo tempo em que aponta problemas comuns, ele cita soluções possíveis. “A questão da energia na Alemanha é muito interessante, não só pela energia, mas pela questão do poder. A descentralização da geração de energia quebra os grandes monopólios. Eu recebo a minha energia de uma cooperativa que foi uma iniciativa de cidadãos. Isso está pipocando na Alemanha. É algo fora do esquema das grandes corporações que sempre geraram energia na Alemanha. Isso abre caminho para soluções descentralizadas. Existem parques eólicos de municípios com participações de cidadãos”.

E faz questão de ressaltar que sua posição não é pura e simples contra mercados. “Não tenho nada contra mercados, mas obviamente é preciso discutir onde eles são úteis e onde não são. Como pai de três crianças eu sou muito feliz que elas estejam protegidas do mercado de trabalho, do trabalho infantil. Temos um grande acordo na sociedade que muita coisa tem que ser discutida politicamente. E as questões de futuro são políticas e não de mercado. Todas as tentativas de resumir tudo à economia são uma maneira de tirar o poder das decisões políticas. O povo tem que poder falar não. Isso é muito importante”, conclui.


Fonte: Outras Palavras

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Ação de agricultores e sociedade civil trouxe rio de volta à vida em MG

26/04/2016

Ação de produtores/as rurais consegue recuperar o fluxo de água no Rio dos Cochos, no norte de Minas Gerais


No sertão de Minas Gerais, o trabalho de moradores/as e organizações da sociedade civil conseguiu trazer um rio de volta à vida. É a história do Rio dos Cochos, um dos subafluente do rio São Francisco que abastece de água cerca de trezentos/as agricultores/as na zona rural dos municípios de Januária e Cônego Marinho, no norte de Mina Gerais.

Após anos de avanço do plantio de eucalipto em suas margens, o rio foi vítima de um intenso processo de assoreamento e, em poucas palavras, secou. O impacto nas comunidades foi grande e levou à ação. Os/as produtores/as rurais se organizaram e, com apoio da Articulação do Semiárido (ASA) e da Cáritas Brasileira, realizaram uma série de ações para a revitalização do pequeno rio.

O primeiro passo foi convencer os/as moradores/as das comunidades que era possível salvar o rio e convocá-los/as a ajudar no trabalho. Para isso, foram realizadas atividades como a Cavalgada Ecológica, que apresentou o Projeto de Revitalização do Rio às comunidades, ressaltando a importância do meio ambiente e informando as causas de sua degradação.

Depois disso, com o auxílio de biólogos e técnicos ambientais, foram realizados estudos e mapeamento para a recomposição da mata ciliar do rio. Foi montado um bancos de sementes e mudas, posteriormente plantadas nos 12 quilômetros de extensão do rio dos Cochos.

O próximo passo foi trabalhar para fortalecer o lençol freático, as águas subterrâneas que alimentam o rio dos Cochos. Orientada pelos técnicos, a população construiu várias barraginhas, tecnologia social que recolhe a água das chuvas e impede que ela vá diretamente para o rio. Assim, a água passou a penetrar mais o solo, fortalecendo os reservatórios subterrâneos e as nascentes.

Os resultados são animadores. A mata ciliar já tem o triplo do tamanho exigido pelo Novo Código Florestal e o rio recuperou 10% do volume de água em relação ao que já teve. Em outras palavras: o rio voltou a correr, ajudando a manter a vida e a produção das comunidades.

O caso integra o Banco de Práticas Alternativas, desenvolvido pela Abong e pelo Iser Assessoria – Religião, Cidadania e Democracia como parte do projetoNovos paradigmas de desenvolvimento: pensar, propor, difundir.


Saiba mais sobre o Rio dos Cochos e conheça o Banco de Práticas Alternativas

Fonte: Observatório da Sociedade Civil

Ecologia hoje: uma aposta pela vida

26/04/2016

Há poucos pensadores no campo da ecologia que tentam ir às raízes da atual crise ecológica global. Um dos mais renomados é seguramente o mexicano Enrique Leff com seu mais recente livro: A aposta pela vida: imaginação sociológica e imaginários sociais nos territórios ambientais do Sul “((a sair pela Vozes). Além de professor e pesquisador, foi por vários anos o Coordenador da Rede de Formação Ambiental para a América Latina e o Caribe no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Acumulou muitas experiências que serviram e servem de base para a sua produção intelectual.

Dá ênfase à preocupação filosófico-social, pois seu interesse é decifrar os mecanismos que nos levaram à atual crise e como poderemos sair bem dela. Portanto, estuda as causas metafísicas (a concepção do ser e da realidade) e epistemológicas (os modos de conhecimento) em suas diversas ontologias (determinaçãoes sociais, políticas, culturais e do mundo da vida, entrte outras).

Procede a um detalhado trabalho de reconstrução da ecologia social e da ecologia política: como surgiram e evoluiram face à crescente crise ecológica, especialmente ao aquecimento global. Essa parte é relevante para quem quiser conhecer os meandros dos discurso ecológico em suas diferentes tendências.
A pergunta que atravessa todo seu texto, denso, rico em referências bibliográficas de várias ciências e tendências, se concentra nesta questão: como estabelecer as condições adequadas à vida num mundo feito insustentável?

A resposta demanda duas tarefas:

A primeira é a demolição dos pressupostos equivocados da modernidade com sua racionalidade tecnico-científica-utilitarista e vontade de dominação de tudo: de territórios, de povos, da natureza e dos processos da vida; realiza esta diligência com uma argumentação cerrada, citando as autoridades filosóficas e científicas mais sérias, sempre salvaguardando o que é irrenunciável mas denunciando como esse tipo exacerbado de racionalidade levou a uma crise civilizatória global com processos insustentáveis e hostis à vida, podendo levar, em seu termo final, a um colapso de nossa civilização.

A segunda consiste na criação de uma nova consciência e o sentido de um destino comum Terra-Natureza-Humanidade. É a parte mais criativa. Auxilia-o a teoria da complexidade e do caos; discute o sentido da sustentabilidade como princípio de vida e de imperativo da sobreviência. Interroga as várias teorias do surgimento da vida e sustenta a tese de F. Capra segundo o qual a vida se originaria do metabolismo entre matéria e energia, gerando redes autogenerativas que liberam os fluxos da vida.

Detalha os diferentes modos de se reconstruir e de se apropriar da natureza, respeitando seus ritmos e ciclos.
Contrariando o paradigma vigente de apropriação privada da natureza e dos fluxos vitais em função do enriquecimento, sabendo apenas modernizar sem ecologizar os saberes, postula vários imaginários alternativos de organizar a Casa Comum, consoante as diferentes culturas nas quas a identidade e a diferença são trabalhdas de forma integradora. Valoriza especialmente a contribuição andina do “bien vivir”. Mais que uma filosofia de vida é uma metáfora de um mundo em harmonia com o Todo. O sumak kawsai (bien vivir) engloba práticas sociais nas quais se expressam as relações dos povos com o cosmos, com seu território, seus ecossitemas, suas culturas e suas relações sociais.

A parte final nos comunica grande esperança: o crescimento a nivel mundial através de incontáveis movimentos e experiências locais que revelam a capacidade das populações de resistir à razão econômica, instrumental e utilitarista vigente. Os países centrais que já exploraram praticamente quase todos os seus serviços e bens naturais tentam recolonizar especialmente a América Latina para que seja uma reserva destes bens para eles. Na nossa visão latino-americana, tais “bondades da natureza” como dizem os povos originários, constituem a base para os direitos da natureza e da Terra tida como a Pachamama, para os direitos culturais e ambientais que concretizam outras formas de habitar a Casa Comum e de se beneficiar de tudo o que ela nos oferece para viver em harmonia.

Aqui se revela uma nova aposta pela vida, que não a ameaça, mas dela cuida, cria-lhe as condições de sua permanência sobre a face da Terra e lhe garante as condições de co-evoluir e constituir-se num bem a ser herdado pelas gerações que virão depois de nós.

Este livro de Leff é um alento para aqueles que uma vez despertaram para a crise ecológica, não se resignam diante das estratéigas de dominação dos poderosos, mas resitem e ensaiam novas formas de convivência, de produção, de consumo e de cuidado e respeito para com todos os seres especialmente pela grande e generosa Mãe Terra.

É um livro necessário que vai na linha exposta com grande força pelo Papa Francisco em sua encíclica sobre “o cuidado da Casa Comum.

Leonardo Boff é colunista do JB on line e escreveu: Ecologia:grito da Terra, grito dos pobres, Vozes 2002.

Fonte: Leonardo Boff