Roberto Malvezzi
(Gogó)
Quando Pero Vaz de Caminha chegou ao litoral brasileiro, além da
admiração pelos índios e índias, pela exuberância da floresta litorânea, ele
fica deslumbrado com a quantidade de águas. Vai escrever ao rei: “águas são
muitas; infinitas. Em tal maneira graciosa (a terra) que, querendo-a aproveitar,
dar-se-á nela tudo; por causa das aguas que tem! ”. Frase que depois,
falsificada, fica reduzida a “nesse país em se plantando tudo dá”.
Quando o Brasil elaborou seu Primeiro Plano Nacional de Recursos
Hídricos, participei com poucas pessoas do Nordeste para inserir no Plano a
captação da água de chuva. Juntando várias fontes o Plano concluía que temos
aproximadamente 13,8% das águas doces mundiais em território brasileiro.
Temos a maior malha de bacias hidrográficas do planeta, além do
que somos o único país do mundo de dimensões continentais que tem chuva em todo
território nacional. Outros países como China, Estados Unidos e Austrália tem
imensos desertos em seus territórios.
Os dois maiores aquíferos do mundo estão em grande parte em
território brasileiro, como o Alter do Chão na Amazônia e Aquífero Guarani que
abrange regiões do sul e sudeste, além de outros países do cone sul.
Ainda mais, os rios voadores que saem da Amazônia chegam até
Buenos Aires – para outros até à Patagônia – e são os responsáveis pelas chuvas
que caem em todo esse vasto território da América Latina.
Nem mesmo a propalada diferença de quantidade de água de região
para região pode ser alegada como problema. O Semiárido, com um milhão de
quilômetros quadrados, com uma média de 700 mm/ano, tem capacidade instalada
para armazenar apenas 36 dos 700 bilhões de m3 que caem sobre esse território
todos os anos.
Onde está, então, nosso problema? Exatamente na abundancia, nos
ensinava o já falecido Prof. Aldo Rebouças. Ela nos tornou perdulários e, junto
com a cultura predadora construída desde a fundação do Brasil, passamos a
maltratar as nossas águas.
Aos poucos estamos perdendo não só a abundancia pela destruição
do ciclo de nossas águas – desmatamento da Amazônia e do Cerrado -, mas
transformando nossos corpos d’água em depósitos de esgotos e de lixo. São as
mineradoras – vide Samarco -, dejetos industriais, domésticos, hospitalares,
agrícolas e resíduos sólidos como lixo doméstico e restos de construções. Basta
olhar para o rio São Francisco.
Dessa forma, além de estarmos provocando a escassez
quantitativa, estamos provocando a escassez qualitativa, isto é, os mananciais
estão diante dos nossos olhos – Pinheiros e Tietê em São Paulo -, mas suas águas
são imprestáveis para qualquer tipo de uso.
Nesse sentido, mais uma vez, a importância da Campanha da
Fraternidade sobre o saneamento básico. Ao coletar e tratar os esgotos, manejar
adequadamente os resíduos sólidos, estaremos dando a maior contribuição para
superar a escassez qualitativa de nossas águas.
Alerta: cientistas e juristas que estiveram na elaboração do
conteúdo do Texto Base da CF, nos alertam que o governo está focando a luta
contra as doenças em evidência no combate ao mosquito, desviando o foco do
fundamento básico do saneamento.
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