sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Ivo Poletto debate alternativas para geração de energia


Em programa de rádio do Fórum de Mudanças Climáticas, Ivo Poletto fala sobre a importância do sol como fonte de energia, a exemplo de experiência que está sendo desenvolvida no sertão da Paraíba. O sociólogo mostra que a experiência pode ser também fonte de participação, de exercício da cidadania.
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Inteligência Ambiental - A Festa do Umbu e da Vida em Uauá

04/05/2016
Por Roberto Malvezzi (Gogó)
Você quer ver mel em abundância, cerveja de umbu (25 reais a longuinete), bode assado com macaxeira por todo lado, geleia de umbu, compota de umbu, suco de maracujá da caatinga, rendas, artesanatos e tantos produtos que mostram a abundância da vida no Semiárido Brasileiro? Então você deveria ter ido ao 7º Festival do Umbu em Uauá, organizado pela Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (COOPERCUC).

Estamos saindo de uma seca de cinco anos, sendo dito que estamos atravessando a “maior crise econômica do Brasil da história”, que em outras épocas significaria que metade de Uauá deveria estar por outros lados do mundo, menos no sertão nordestino. E totalização dessa produção alcança cerca de 200 toneladas por ano.

Ali, onde nasce o Vaza Barris, hoje um rio seco, onde logo abaixo Conselheiro encontrou um lugar onde “jorrava leite e mel” (Canudos), às margens do Vaza Barris, sertão antigamente dito como “bravo”, a festa foi grande, cheia de vida, de produtos, de gente. O mesmo povo que começou a festa na sexta pela noite ainda estava lá 4 h da manhã do domingo, dançando ao som da música típica da região, embora sempre apareça algum forró eletrônico para quebrar a beleza musical.

O paradigma de “convivência com o Semiárido”, intuído por homens como Guimarães Duque, Celso Furtado (Discurso de inauguração da SUDENE, 1959), foi tirada do papel e da imaginação pela sociedade civil nos últimos anos, que lhe deu carne, na troca de experiências acumuladas pela população sertaneja, com sua captação de água de chuva, o manejo da caatinga, uma agricultura conforme o ambiente, pelo cultivo do umbu, do maracujá do mato, dos animais adaptados ao Semiárido como a cabra e a ovelha. Então, a vida veio abundante, mesmo em tempos de seca.

Essas são conquistas dos últimos 20 anos, com programas construídos pela sociedade civil como a ASA (Articulação no Semiárido Brasileiro), ou por componentes como o IRPAA (Instituto Regional da Pequena Agropecuária Adaptada). Não veio dos coronéis, nem do Estado, mesmo esse um pouco mais modernizado. O que houve foi o apoio econômico dos últimos governos, o que deu escala a esse trabalho, com mais de 1 milhão de cisternas para beber e mais de 150 mil tecnologias de produção implantadas.

A COOPERCUC tem mercado interno e externo, seus produtos vão para a Itália, França e Áustria. Essa é a prova que a “irrigação” não é o único veio produtivo do Nordeste e nem o principal. O PIB da irrigação gira em torno de 2 bilhões de reais ao ano, enquanto o PIB do sequeiro em 2008 já girava em torno de 140 bilhões de reais ao ano. Portanto, os números desmentem os mitos.

Parabéns à COOPERCUC, trabalho que mostra a beleza e a viabilidade do sequeiro nordestino, com a caatinga em pé, ambiente preservado e cheio de vida. O único caminho para os biomas brasileiros sobreviverem é o da “convivência”.

Quem tem inteligência ambiental sabe.


Fonte: Site do Gogó

O preço do “capitalismo verde”

04/05/2016
Com críticas à privatização da natureza e mercado de carbono, participantes de debate em SP afirmam: saída para crise ambiental é ação política, e inclui mudanças nos padrões de consumo e desperdício

Por Daniel Santini

A Fundação Rosa Luxemburgo (FRL) realizou em São Paulo o debate internacional “Quem tem medo do capitalismo verde?”, com a participação da jornalista Daniela Chiaretti, do jornal Valor Econômico; do cientista político alemão Thomas Fatheuer, integrante da rede Cooperação Brasil (KoBra); do diretor do departamento internacional da FRL, o também alemão Wilfried Telkämper; e do ativista ambiental holandês Winnie Overbeek, do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais.

Com histórias e perspectivas distintas, os quatro debatedores apresentaram leituras diferentes sobre alguns dos aspectos mais atuais relacionados à economia verde, mas, em linhas gerais, a conversa foi marcada por críticas ao mercado de carbono, aos resultados da conferência do clima e às propostas de privatização da natureza.

Um debate político

Para Wilfried Telkämper, não dá para analisar a crise ambiental sem considerar seus aspectos políticos e econômicos. Fazendo referência ao título do debate, ele associou logo de início a degradação ambiental a este fenômeno. “Eu tenho medo é do capitalismo, que destrói a base da existência de tantas pessoas. O capitalismo verde é parte do capitalismo”, afirmou, lembrando que Karl Marx já defendia que é preciso levar em conta a relação entre homem e natureza ao se analisar relações sociais e econômicas (para mais referências sobre marxismo e ecologia, vale conferir entrevista com o sociólogo Klaus Meschkat).

Ex-integrante do Partido Verde alemão, Wilfried iniciou sua carreira política nos anos 1970 como ativista antinuclear e hoje é integrante do partido Die Linke (A Esquerda, em alemão), ao qual a FRL está ligada. Ele defende que as estratégias de financerização da natureza, com a participação das Bolsas de Valores e hedge funds(fundos de investimento de risco) na formação de novos “mercados verdes”, não tem como objetivo evitar a degradação, mas sim lucrar com a situação. “Esse é o principal problema”.

Neste sentido, argumenta que é simbólico o interesse no tema por parte de empresas petrolíferas e conglomerados químicos, que dominam o segmento de insumos agrícolas (agrotóxicos e adubos sintéticos) com grave impacto ambiental e social. Ele critica os que limitam a discussão a questões técnicas, como se o problema climático pudesse ser resolvido com fórmulas econômicas ou avanços científicos. “Não é uma questão tecnológica, mas sim de pressão política. É preciso ação política principalmente em relação às nações industriais, que são as maiores emissoras de carbono, para que se evite que a catástrofe seja maior ainda”, defende. “Estou falando de pressão local e também de agir já e mudar totalmente a forma como vivemos”. Ele menciona como exemplo a mobilidade nas cidades, com o transporte individual sendo priorizado em detrimento ao transporte público, com políticas que beneficiam a indústria automobilística. “Tudo precisa ser levado em consideração não amanhã, mas hoje. E isso significa ação política também”.

O político e ecologista é de uma corrente que defende um socialismo democrático com engajamento em questões ambientais. Acompanhou a 21ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-21), em Paris, em 2015 (leia cobertura completa da participação da FRL em inglês). É crítico ao acordo resultante do encontro. “O problema é que não foram acordadas medidas concretas, mas declarações de intenções”, diz, para mesmo assim apontar que que é preciso o documento final da COP e utilizá-lo para fazer pressão. “Leiam o acordo. Participem da discussão a partir da ação política”. (Veja o acordo final do encontro em inglês em formato PDF).

Diplomacia verde e a COP 21

Se o político alemão faz críticas à COP 21, a jornalista e colunista Daniela Chiaretti, do Valor Econômico, defende que a convenção é “inspiradora e há ideias interessantes”. Com o cuidado de destacar que as discussões podem servir como uma “bússola”, ela cita que é preciso “não dar peso demasiado, mas também não subestimar” os resultados e menciona como uma das perspectivas interessantes do encontro a ideia de limitar o aquecimento até 2100 em apenas 2ºC; ou 1,5ºC, em uma meta mais ambiciosa.

Daniela Chiaretti, jornalista do Valor Econômico. Foto: Gerhard DilgerComo repórter especial de meio ambiente desde 2005, ela acompanhou in loco as últimas conferências ambientais e defende que não existe uma única grande solução para os problemas, mas sim “muitas soluções”. Ela ressalta que a discussão é ampla, e é necessário considerar múltiplos aspectos – como, por exemplo, o fato de estudos indicarem que, em desastres ambientais, morrem mais mulheres do que homens. Neste sentido, pontua que o resultado do último encontro foi positivo. “Não é que eu sou otimista com o Acordo de Paris, mas acho que o mundo é melhor com um acordo de clima do que sem. E acho que existem tantas ambiguidades nesse acordo e tanto espaço para que as coisas sejam diferentes. Espaço de luta, de pressão. Não é porque o acordo existe que tudo está dado”.

Ela defende que as pessoas precisam se envolver nas discussões e que o tema deveria estar nas escolas, e também que é preciso olhar “sem preconceito” para as novas soluções e fórmulas apresentadas. De todos os participantes, ela foi a que mais defendeu que soluções financeiras devem sim ser consideradas como possíveis saídas para a crise ambiental. “O Acordo de Paris e as discussões de clima não discutem o capitalismo, elas estão inseridas no capitalismo. O discurso econômico já interpretou com rapidez toda essa discussão”, afirma, para apontar como, por exemplo, a questão da “descarbonização” se tornou chave nas negociações em curso.

Descarbonização é o termo usado para se falar em reduzir ou “neutralizar” emissões de carbono – bandeira adotada com força por uma China que, no lugar de petróleo, aposta cada vez mais em energia nuclear para sustentar seu agressivo modelo de desenvolvimento. A jornalista cita que já é possível falar em “geopolítica de carbono”, e defende que o conceito pode ser útil para discussões sobre responsabilidade em degradação ambiental; em uma cidade, por exemplo, daria para tentar medir quais “bairros emitem mais carbono”.

Citando o artigo que escreveu para o jornal sobre negócios e clima, no qual narra o encontro durante a conferência entre o canadense Mark Joseph Carney, presidente do banco central britânico, o Bank of England, e o empresário e ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, ela menciona como, mesmo entre investidores, já surge a preocupação de reconsiderar o valor de ativos em combustíveis fósseis, e que analistas já sugerem prudência em planos de expandir produção de petróleo – o que implicaria, por exemplo, em rever a extração do Pré-Sal no Brasil. Tal cuidado de imediato está relacionado à queda no preço no mundo todo, mas, na visão da analista, também a uma leitura por parte do setor financeiro de que os acordos do clima acabarão por influenciar e frear o uso de combustíveis fósseis em algum momento.

Florestas sem gente e o mercado de carbono

Justamente a perspectiva de crescimento da negociação de emissões de carbono é, para o ativista ambiental Winnie Overbeek, o resultado mais grave da Conferência de Paris. Ressaltando que o acordo negociado “não tem referência aos direitos humanos”, ele argumenta que foram estabelecidas falsas soluções que beneficiam as empresas e permitem que elas sigam atuando da mesma maneira. “O acordo não menciona a causa do problema, a conversa é sobre como compensar, não sobre como reduzir”, afirma, chamando a atenção para os limites de se utilizar as emissões de carbono como métrica para tentar quantificar os impactos ao meio ambiente.

O ativista Winnie Overbeek, do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais. Foto: Gerhard DilgerEle alerta para as empresas que apresentam fórmulas para “neutralizar” emissões de combustíveis fósseis a partir da preservação de florestas ou mesmo do plantio de árvores, lembrando que há até as que já falam em “emissões negativas” de carbono. “A equação é aceita, mas para o clima é diferente o impacto”, argumenta. ” O petróleo que vem do subsolo é um carbono armazenado há muito tempo. Nos últimos 200 ou 300 anos começamos a retirá-lo do solo, o que levou a um aumento da concentração de carbono na atmosfera. Conservar uma floresta que seria desmatada não é o mesmo, mas eles tratam como se fosse igual manter o carbono do subsolo. A absorção de carbono por uma floresta é temporária. Quando se tira carbono do subsolo, a quantidade na atmosfera aumenta e vai continuar aumentando”, diz. “As empresas de petróleo fizeram uma grande festa, assim como outras indústrias que dependem do petróleo, como as do agronegócio. Vão continuar emitindo, só que agora podem compensar”, completa.

Como coordenador internacional do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (World Rainforest Movement) ele tem acompanhado o impacto de projetos de compensação de carbono do tipo REDD e REDD+ no Acre, uma das regiões consideradas pela organização “laboratório do mundo” em relação a este tipo de estratégia. “As populações como ficam? Em cada projeto desses eles têm que dizer que a floresta será desmatada; se não tiver desmatamento, não tem o que compensar. Mas não há desmatamento hoje, é um desmatamento que acham que vai acontecer em 30, 40 anos. Então fazem grossos relatórios projetando isso e os culpados pelo desmatamento que vai acontecer nunca são hidrelétricas ou plantações, mas sim a população local”.

O resultado, afirma o ativista, é que comunidades têm sido expulsas das florestas em que sempre viveram, camponeses e ribeirinhos acabam proibidos de cortar árvores para fazer canoas, ou pescar e caçar, tudo ao mesmo tempo em que projetos de mineração, hidrelétricas, extração de petróleo e agropecuária continuam avançando sem nenhuma restrição. Ele critica o papel das ONGs conservacionistas neste jogo, aponta que elas defendem que “floresta boa é floresta sem gente”, e diz que muitas “andam de mãos dadas com as corporações” nas negociações internacionais. Também critica a maneira como tais projetos são propagandeados, com investimento pesado em marketing e pouca discussão concreta com as comunidades afetadas.

“Na prática se pretende resolver a crise climática compensando uma coisa que não está sendo compensada, continuando a aumentar as emissões, e culpando a população que menos contribui com o desmatamento. Não se está trabalhando com as causas. Quem está por trás é o grande capital, é o capitalismo baseado neste modelo de produção para o consumo global. É uma injustiça social da qual muito pouco se fala”, defende.

Caminhos possíveis

Em sintonia com os demais palestrantes, o cientista político e filólogo Thomas Fatheuer aponta como solução para o enfrentamento da crise ambiental mudanças no modo de vida e produção. Assim como Wilfried Telkämper, ele ressalta que o problema não é meramente tecnológico ou econômico, mas principalmente político. Na mesma linha de Daniela Chiaretti ele também considera que as negociações do clima estão alterando de forma significativa a maneira como as relações econômicas se estruturam. Ele ressalta que, em um cenário em que surge a figura dos “serviços ambientais” e no qual se discute a financerização da natureza, “a mudança no capitalismo é profunda”. Como Winnie Overbeek, porém, é crítico em relação às negociações de carbono. “Estão usando a descarbonização como um jeito de continuar a usar fósseis”, afirma o cientista político, que é coautor do livro “Crítica à economia verde”, disponível em alemão.

Cientista político Thomas Fatheuer. Foto: Gerhard Dilger Fatheuer dirigiu de 2003 a 2010 o escritório do Rio de Janeiro da Fundação Heinrich Böll, instituição ligada ao Partido Verde alemão. Hoje é integrante do grupo Cooperação Brasil (KoBra) e, com a facilidade de quem acompanha tanto a situação política da Europa quanto a da América Latina, faz comparações e apresenta problemas comuns aos dois continentes relacionados à economia verde. “Quero dar um exemplo do perigo de um caminho que não está certo. Existe uma discussão antiga sobre o que fazer com transporte aéreo dentro da convenção do clima. A associação internacional das companhias aéreas, a IATA (International Air Transport Association), assumiu um compromisso de reduzir até 2025, 2030, as emissões em 30%. Ao mesmo tempo, o tráfego aéreo está aumentando. Como esse milagre vai acontecer?”, questiona.

“A maneira mais efetiva de reduzir o CO2 por pessoa é reduzir o espaço no avião. Isso já foi feito. Eu já não caibo mais em um avião com o meu tamanho, então não dá para reduzir mais. As máquinas são um pouco mais eficientes, também não dá para reduzir assim. O milagre vai acontecer pelo crédito de carbono”, explica. “Com a compensação, você cria um mundo em que as emissões aumentam, mas ao mesmo tempo diminuem. O que deveríamos fazer é discutir o tráfego aéreo, não faz sentido voar para alguns lugares. Tudo é feito para continuar igual, sem se discutir mudar o modo de produção e estilo de vida. Isso é o capitalismo verde”, defende.

Ele cita que, assim como a indústria aérea, a automobilística tenta estratégias parecidas. Em vez da priorização do transporte público e da redução do número de viagens individuais com carros privados, o que se discute é a compensação ambiental pelas emissões. “Temos que pensar é na maneira do trânsito, temos que sair do modelo de trânsito individual das grandes cidades. Falo da Alemanha, não vou dar palpite no Brasil, os brasileiros que têm que discutir isso, mas na Alemanha tenho certeza que temos que fazer essas mudanças e essa política de compensações está impedindo essas mudanças e não impulsionando. Isso é real e visível”.

Ao mesmo tempo em que aponta problemas comuns, ele cita soluções possíveis. “A questão da energia na Alemanha é muito interessante, não só pela energia, mas pela questão do poder. A descentralização da geração de energia quebra os grandes monopólios. Eu recebo a minha energia de uma cooperativa que foi uma iniciativa de cidadãos. Isso está pipocando na Alemanha. É algo fora do esquema das grandes corporações que sempre geraram energia na Alemanha. Isso abre caminho para soluções descentralizadas. Existem parques eólicos de municípios com participações de cidadãos”.

E faz questão de ressaltar que sua posição não é pura e simples contra mercados. “Não tenho nada contra mercados, mas obviamente é preciso discutir onde eles são úteis e onde não são. Como pai de três crianças eu sou muito feliz que elas estejam protegidas do mercado de trabalho, do trabalho infantil. Temos um grande acordo na sociedade que muita coisa tem que ser discutida politicamente. E as questões de futuro são políticas e não de mercado. Todas as tentativas de resumir tudo à economia são uma maneira de tirar o poder das decisões políticas. O povo tem que poder falar não. Isso é muito importante”, conclui.


Fonte: Outras Palavras

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Ação de agricultores e sociedade civil trouxe rio de volta à vida em MG

26/04/2016

Ação de produtores/as rurais consegue recuperar o fluxo de água no Rio dos Cochos, no norte de Minas Gerais


No sertão de Minas Gerais, o trabalho de moradores/as e organizações da sociedade civil conseguiu trazer um rio de volta à vida. É a história do Rio dos Cochos, um dos subafluente do rio São Francisco que abastece de água cerca de trezentos/as agricultores/as na zona rural dos municípios de Januária e Cônego Marinho, no norte de Mina Gerais.

Após anos de avanço do plantio de eucalipto em suas margens, o rio foi vítima de um intenso processo de assoreamento e, em poucas palavras, secou. O impacto nas comunidades foi grande e levou à ação. Os/as produtores/as rurais se organizaram e, com apoio da Articulação do Semiárido (ASA) e da Cáritas Brasileira, realizaram uma série de ações para a revitalização do pequeno rio.

O primeiro passo foi convencer os/as moradores/as das comunidades que era possível salvar o rio e convocá-los/as a ajudar no trabalho. Para isso, foram realizadas atividades como a Cavalgada Ecológica, que apresentou o Projeto de Revitalização do Rio às comunidades, ressaltando a importância do meio ambiente e informando as causas de sua degradação.

Depois disso, com o auxílio de biólogos e técnicos ambientais, foram realizados estudos e mapeamento para a recomposição da mata ciliar do rio. Foi montado um bancos de sementes e mudas, posteriormente plantadas nos 12 quilômetros de extensão do rio dos Cochos.

O próximo passo foi trabalhar para fortalecer o lençol freático, as águas subterrâneas que alimentam o rio dos Cochos. Orientada pelos técnicos, a população construiu várias barraginhas, tecnologia social que recolhe a água das chuvas e impede que ela vá diretamente para o rio. Assim, a água passou a penetrar mais o solo, fortalecendo os reservatórios subterrâneos e as nascentes.

Os resultados são animadores. A mata ciliar já tem o triplo do tamanho exigido pelo Novo Código Florestal e o rio recuperou 10% do volume de água em relação ao que já teve. Em outras palavras: o rio voltou a correr, ajudando a manter a vida e a produção das comunidades.

O caso integra o Banco de Práticas Alternativas, desenvolvido pela Abong e pelo Iser Assessoria – Religião, Cidadania e Democracia como parte do projetoNovos paradigmas de desenvolvimento: pensar, propor, difundir.


Saiba mais sobre o Rio dos Cochos e conheça o Banco de Práticas Alternativas

Fonte: Observatório da Sociedade Civil

Ecologia hoje: uma aposta pela vida

26/04/2016

Há poucos pensadores no campo da ecologia que tentam ir às raízes da atual crise ecológica global. Um dos mais renomados é seguramente o mexicano Enrique Leff com seu mais recente livro: A aposta pela vida: imaginação sociológica e imaginários sociais nos territórios ambientais do Sul “((a sair pela Vozes). Além de professor e pesquisador, foi por vários anos o Coordenador da Rede de Formação Ambiental para a América Latina e o Caribe no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Acumulou muitas experiências que serviram e servem de base para a sua produção intelectual.

Dá ênfase à preocupação filosófico-social, pois seu interesse é decifrar os mecanismos que nos levaram à atual crise e como poderemos sair bem dela. Portanto, estuda as causas metafísicas (a concepção do ser e da realidade) e epistemológicas (os modos de conhecimento) em suas diversas ontologias (determinaçãoes sociais, políticas, culturais e do mundo da vida, entrte outras).

Procede a um detalhado trabalho de reconstrução da ecologia social e da ecologia política: como surgiram e evoluiram face à crescente crise ecológica, especialmente ao aquecimento global. Essa parte é relevante para quem quiser conhecer os meandros dos discurso ecológico em suas diferentes tendências.
A pergunta que atravessa todo seu texto, denso, rico em referências bibliográficas de várias ciências e tendências, se concentra nesta questão: como estabelecer as condições adequadas à vida num mundo feito insustentável?

A resposta demanda duas tarefas:

A primeira é a demolição dos pressupostos equivocados da modernidade com sua racionalidade tecnico-científica-utilitarista e vontade de dominação de tudo: de territórios, de povos, da natureza e dos processos da vida; realiza esta diligência com uma argumentação cerrada, citando as autoridades filosóficas e científicas mais sérias, sempre salvaguardando o que é irrenunciável mas denunciando como esse tipo exacerbado de racionalidade levou a uma crise civilizatória global com processos insustentáveis e hostis à vida, podendo levar, em seu termo final, a um colapso de nossa civilização.

A segunda consiste na criação de uma nova consciência e o sentido de um destino comum Terra-Natureza-Humanidade. É a parte mais criativa. Auxilia-o a teoria da complexidade e do caos; discute o sentido da sustentabilidade como princípio de vida e de imperativo da sobreviência. Interroga as várias teorias do surgimento da vida e sustenta a tese de F. Capra segundo o qual a vida se originaria do metabolismo entre matéria e energia, gerando redes autogenerativas que liberam os fluxos da vida.

Detalha os diferentes modos de se reconstruir e de se apropriar da natureza, respeitando seus ritmos e ciclos.
Contrariando o paradigma vigente de apropriação privada da natureza e dos fluxos vitais em função do enriquecimento, sabendo apenas modernizar sem ecologizar os saberes, postula vários imaginários alternativos de organizar a Casa Comum, consoante as diferentes culturas nas quas a identidade e a diferença são trabalhdas de forma integradora. Valoriza especialmente a contribuição andina do “bien vivir”. Mais que uma filosofia de vida é uma metáfora de um mundo em harmonia com o Todo. O sumak kawsai (bien vivir) engloba práticas sociais nas quais se expressam as relações dos povos com o cosmos, com seu território, seus ecossitemas, suas culturas e suas relações sociais.

A parte final nos comunica grande esperança: o crescimento a nivel mundial através de incontáveis movimentos e experiências locais que revelam a capacidade das populações de resistir à razão econômica, instrumental e utilitarista vigente. Os países centrais que já exploraram praticamente quase todos os seus serviços e bens naturais tentam recolonizar especialmente a América Latina para que seja uma reserva destes bens para eles. Na nossa visão latino-americana, tais “bondades da natureza” como dizem os povos originários, constituem a base para os direitos da natureza e da Terra tida como a Pachamama, para os direitos culturais e ambientais que concretizam outras formas de habitar a Casa Comum e de se beneficiar de tudo o que ela nos oferece para viver em harmonia.

Aqui se revela uma nova aposta pela vida, que não a ameaça, mas dela cuida, cria-lhe as condições de sua permanência sobre a face da Terra e lhe garante as condições de co-evoluir e constituir-se num bem a ser herdado pelas gerações que virão depois de nós.

Este livro de Leff é um alento para aqueles que uma vez despertaram para a crise ecológica, não se resignam diante das estratéigas de dominação dos poderosos, mas resitem e ensaiam novas formas de convivência, de produção, de consumo e de cuidado e respeito para com todos os seres especialmente pela grande e generosa Mãe Terra.

É um livro necessário que vai na linha exposta com grande força pelo Papa Francisco em sua encíclica sobre “o cuidado da Casa Comum.

Leonardo Boff é colunista do JB on line e escreveu: Ecologia:grito da Terra, grito dos pobres, Vozes 2002.

Fonte: Leonardo Boff

Inovação Social e Sustentabilidade

26/04/2016

O artigo a seguir do economista Ladislau Dowbor foca os nossos principais desafios, que são a desigualdade e a destruição ambiental, apresentando as conclusões dos principais relatórios internacionais. Particular ênfase é dada à mudança climática e à concentração da riqueza familiar acumulada, bem como à sinergia entre os problemas sociais e ambientais. Finalmente, o artigo aborda as alternativas que se apresentam a esses desafios.

Leia o documento completo

O Acordo de Paris e os pobres

                  20/04/2016




Neste artigo, Ivo Poletto analisa o significado do Acordo de Paris, aprovado na COP 21 por 195 países. O autor aponta as limitações do documento que, no entanto, é considerado histórico. Uma delas é que ele não aponta que se deve reduzir o uso de combustíveis fósseis, as empresas petrolíferas não têm seus lucros ameaçados pelo texto aprovado. Por outro lado, o autor propõe como os pobres e seus movimentos sociais podem e devem fazer para garantir o enfrentamento das mudanças climáticas.







O ACORDO DE PARIS E OS POBRES
Ivo Poletto[1]

1. Introdução

A aprovação do Acordo de Paris por representantes de 195 governos do mundo aponta o fim dos argumentos dos que se dizem cientistas céticos. O Acordo tem como base a consciência de que a mudança climática representa uma ameaça urgente e com efeitos potencialmente irreversíveis para as sociedades humanas e o planeta, e, portanto, exige a cooperação internacional efetiva e apropriada, com o objetivo de acelerar a redução das emissões mundiais de gases de efeito estufa. Isso significa, sem dúvida, o reconhecimento de que a mudança climática tem causantes antropogênicas.

Por outro lado, para avaliar os resultados dessa Cúpula a partir do ponto de vista dos pobres e excluídos é necessário partir de perguntas-chave: Que participação tiveram os pobres na Cúpula? Mesmo os representantes dos países pouco desenvolvidos e dos pequenos países insulares, eram pobres?

Não é suficiente dizer que representantes de povos indígenas tiveram oportunidade de participar de eventos no interior do espaço oficial, e que as organizações populares e sindicais, com apoio de entidades da sociedade civil e de igrejas, participaram de atividades autogestionárias no que foi chamado Cúpula dos Povos. Não se pode esquecer que muitas pessoas e organizações sociais foram desmobilizadas pela violência que afetou Paris poucos dias antes da Cúpula e pelo anúncio das autoridades de que as manifestações públicas não poderiam ser realizadas. Na realidade, a Cúpula do Clima (COP) foi dos governos dos países, com todos os limites de democracia que os caracterizam. Não se pode dizer que tenha sido uma Cúpula dos Povos – algo talvez absolutamente necessário para que se enfrente com valentia e mobilização universal as causas do aquecimento global e da mudança climática.

2. A festa dos políticos

O que foi anunciado pelos meios de comunicação envolveu grande parte da humanidade na visão dos políticos que representavam seus países, e, em particular, do governo da França. É justo celebrar o acordo que foi possível, mas o que foi noticiado o apresentou como um acordo histórico, como se fosse uma ferramenta capaz de enfrentar as mudanças climáticas. Na realidade, para ser assumido por quase todos os países na forma de consenso, foram retiradas medidas absolutamente indispensáveis. Basta saber que, por ser condição de adesão dos países produtores de petróleo, o Acordo evitou assumir que se deve limitar o uso de combustíveis fósseis e que, por motivos evidentes, os países que deveriam assumir suas dívidas históricas ambientais não aceitaram sua inclusão no texto final.

Por outro lado, não pode ser tão histórico um Acordo que não determina metas e prazos de implementação. É verdade que se aceitou manter o princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas, mas isso deu num Acordo fundado sobre a boa vontade dos governos de cada país. Não há no texto uma palavra na direção de empoderar a sociedade humana, os cidadãos; o máximo referido é que as pessoas devem receber informações e educação, mas não como forças políticas do processo de enfrentamento das mudanças climáticas.

O Acordo está cheio de bons propósitos e seus autores parecem convencidos de que há condições favoráveis para sua implementação por parte dos governos. Como são mais do que conhecidos os comprometimentos dos políticos com os que controlam o livre mercado capitalista, é mais do que duvidoso e quase uma ilusão que atuarão de forma autônima e em favor das pessoas e da Mãe Terra.

3. A Festa dos grandes empresários

Os que estivemos em Paris, percebemos a numerosa presença de grandes empresas e de bancos de todo o planeta, e nos perguntávamos: o que buscam? Estarão interessados em políticas de enfrentamento das mudanças climáticas? Ou querem apenas impedir que os governos avancem nessa direção?

Não eram muitos, talvez, os que tinham informação de, na realidade, estavam ali para garantir que o Acordo fosse oportunidade para novos negócios, particularmente no campo da especulação financeira. Faz parte da história das Cúpulas do Clima a insistência de que o livre mercado teria condições de enfrentar o aquecimento se fosse apoiado em seu desejo de financeirização dos bens comuns e na promoção de uma economia de baixo carbono.

Menos de dois meses depois do encerramento da COP 21 e da aprovação do Acordo de Paris, jornais brasileiros informaram que “o mundo financeiro se prepara para uma nova era econômica: a do clima. Bancos Centrais e instituições incluíram a mudança do clima nas equações que medem os riscos para a estabilidade financeira global. O histórico (sic) acordo de combate ao aquecimento global firmado por 195 países no final de 2015 em Paris abriu as portas para o que pode tornar-se um Bretton Woods verde, com permissão para que o carbono se torne moeda de troca num futuro próximo. Esta é uma das interpretações do artigo 117, que trata do “valor social e econômico das ações de mitigação”. [2]

Segundo a mesma fonte, a estimativa da Climate Bonds Iniciative, organização sem fins lucrativos, os papeis verdes têm o potencial de mobilizar 100 trilhões de dólares, O cálculo se baseia em declarações públicas de gestores que já mobilizaram US$ 45 trilhões e estariam dispostos a aplicar em projetos sustentáveis.

Não temos informação sobre os cálculos de ganhos das grandes empresas de petróleo, mas certamente celebraram a eficácia de seus lobbies, já que nada de ameaçador para elas consta no Acordo. O que se conhece é o seu esforço insistente de produzir falsas informações sobre quanto contribuem as fontes fósseis de energia para o aquecimento global. Uma pesquisa do sociólogo estadunidense Robert Brulle, publicada na última edição da revista Climatic Change, identificou, no que ele denomina “contra movimento sobre as alterações climáticas”, 91 organizações que têm presença sistemática no espaço público no sentido de promover o ceticismo sobre as alterações climáticas e impedir políticas públicas que as combatam. Para elas são destinados quase um bilhão de dólares anuais. [3]

Tanto as festas pela nova moeda de especulação mundial, como o poder dos que querem manter seus lucros com a cultura ou civilização dos fósseis, devem ser vistos como uma grande ameaça justamente porque se sabe que a concentração da riqueza já é quase absurda, com certeza insustentável: nas mãos e bolsas dos 62 indivíduos mais ricos do planeta em 2015 estava igual riqueza que 3,6 bilhões de pessoas podem repartir para viver e sobreviver; comprovando a velocidade da concentração, em 2014 eram 84. [4]
Não há uma só palavra sobre essa concentração no texto do Acordo de Paris, e menos ainda uma proposta de possível utilização de pelo menos parte dela em favor de medidas de enfrentamento das mudanças climáticas; e menos ainda para erradicar a pobreza.

Essas festas das grandes empresas e bancos são indícios de que o Acordo de Paris pode ser interpretado de diferentes formas e para diferentes interesses. E isso significa, com certeza, mais ameaças do que promessas para os pobres e excluídos do planeta.

4. O Acordo de Paris: enfrentamento das crises ecológica e social?

Ao procurar o que se diz dos pobres no Acordo de Paris, nos damos conta de que é muito pouco e genérico. Há o reconhecimento de países pouco desenvolvidos e pequenos países de ilhas, que necessitam e devem contar com apoios dos desenvolvidos e dos emergentes para implementar suas políticas de mitigação e adaptação. Mas, como já destacamos, nada de efetivo está decidido; tudo está nas mãos da boa vontade dos governos e dos que que têm poder de mercado.

É verdade que são afirmadas intenções positivas no documento: promover o desenvolvimento e a erradicação da pobreza; garantir a prioridade fundamental de salvaguardar a segurança alimentar e acabar com a fome; garantir empregos dignos e trabalhos de qualidade...

É verdade também que se afirma: a mudança climática é problema de toda a humanidade... e nas medidas para enfrenta-la as Partes (os países) devem respeitar, promover e ter em conta suas respectivas obrigações relativas aos direitos humanos, o direito à saúde, os direitos dos povos indígenas, das comunidades locais, os migrantes, as crianças... Além disso, ao implementar medidas para enfrentar a mudança climática, devem garantir a integridade de todos os ecossistemas, incluídos os oceanos, e a proteção da biodiversidade, reconhecidos por algumas culturas como a Mãe Terra... e o conceito de justiça climática...

São seguramente cuidados essenciais. Mas, como todas as medidas dependem dos governos dos países, das contribuições determinadas nacionalmente, que possibilidade existe que mudem as prioridades nacionais que são responsáveis por não garantir esses direitos das pessoas, comunidades, povos e da Mãe Terra?

É importante destacar que se mantém, no Acordo de Paris, a separação entre a crise ecológica e a crise social. Ao contrário da posição do Papa Francisco, que em sua Laudato Sí – sobre o cuidado da casa comum afirma que há uma única crise, a socioambiental, porque provocada pelo mesmo sistema de livre mercado capitalista e porque cada uma condiciona o enfrentamento da outra. O Acordo de Paris parece aceitar que a pobreza seria algo natural, que deve ser enfrentada por medidas de desenvolvimento do mercado, ao contrário da crise ecológica, que é reconhecida como produto de ações humanas.

Na realidade, o conceito nada definido e com certeza assumido na perspectiva do livre mercado capitalista, é o de desenvolvimento. Ao manter a classificação de países desenvolvidos, emergentes, em via de desenvolvimento e pouco desenvolvidos, está explícita a afirmação de que há países mais avançados, mais civilizados, com maior capacidade de produção e consumo, e há outros que devem seguir o caminho aberto por eles. O Papa Francisco e muitos outros, com diferentes posições sociais e acadêmicas, assumem a crítica de quase todos os movimentos sociais de que esse desenvolvimento, identificado com o crescimento da produção e do consumo sem fim, e mais ainda, com a concentração da riqueza na forma monetária e especulativa, processos absolutamente comandados pelas imaginárias forças de mercado capitalista, é o causador do aquecimento global e das mudanças climáticas.


Analisando com visão crítica o Acordo de Paris, é necessário afirmar que sua aprovação e também sua implementação não garantem o enfrentamento nem da crise ecológica nem da social.

6. O aquecimento global como profecia da Terra

Uma vez apresentada essa análise crítica, é possível uma leitura positiva do Acordo de Paris? Creio que sim e o tentaremos a seguir.

Antes de referir-me ao Acordo, é necessário destacar que cresce no mundo a consciência de que a humanidade não pode seguir no caminho em que está. Aumenta todo dia o número de afetados por diferentes eventos climáticos extremos em todos os continentes, mas com maior incidência nos países do Sul. Há pouco tempo, uma reportagem destacou que um senhor chorava o fim da neve nos Dolomiti, na fronteira da Itália com a Áustria. Contudo, quantos indígenas da América do Sul choram pela diminuição e o fim das neves na Cordilheira dos Andes? Todos os centros de pesquisa confirmam que cada novo ano é mais quente que o anterior, com aumento de vítimas seja por ondas de calor intenso ou de frios insuportáveis.

A decisão do Papa Francisco de mobilizar os crentes de sua igreja, mas não só eles, e sim convidar a toda a humanidade a tomar consciência e mobilizar-se para mudar o estilo de vida, e mais do que isso, o sistema de produção e consumo que causa, no mesmo movimento, as crises social e ecológica, é certamente o fato mais significativo dos últimos tempos na luta pelo enfrentamento do aquecimento global e as mudanças climáticas. Nessa perspectiva, a encíclica Laudado Sí é um documento que ainda está fazendo história, mas são as práticas e os convites constantes do Papa que dão força e autenticidade a ela.

Nesse contexto de iniciativas de igrejas, movimentos e organizações sociais, centros de pesquisa e organismos da ONU, é fundamental dar-se conta de que mais e mais pessoas e povos estão retomando a prática de escutar a Terra. Sim, ela é um ser vivo, na realidade uma fonte permanente de vida, e tem uma linguagem de comunicação. Nessa direção, é bom reconhecer o avanço que significa o fato de que a Constituição da República do Equador tenha incluído um capítulo específico sobre os Direitos da Natureza: A natureza ou Pacha Mama, onde se reproduz a vida, tem direito que se respeite integralmente a sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos. [5]

É verdade que continuam existindo conflitos nas práticas políticas no Equador, mas os povos – que são diferentes e constituem o Estado plurinacional – e todos os cidadãos/ãs podem enfrentar os governos e empresas, lutando por uma nova forma de convivência cidadã, em diversidade e harmonia com a natureza, para alcançar o bem viver, o sumak kawsay. [6] E isso é mais, com certeza, do que o que se pode fazer na relação com o Acordo de Paris, mas, assim mesmo, será válido e necessário fazê-lo.


Concretamente, os pobres e excluídos, com as forças e organizações sociais que os apoiam em suas lutas contra os efeitos socioambientais provocados pela mudança climática, terão que aprofundar as lutas em todos os níveis tendo presente o positivo que está na declaração de intenções e a fragilidade e debilidade das medidas práticas que constituem o Acordo de Paris. Em outras palavras, as lutas terão como objetivo forçar os governos a serem mais ambiciosos e mais responsáveis em suas ações voluntárias. E será possível, para isso, utilizar o que está referido e reconhecidos no Acordo em relação às ameaças da mudança climática, e mais ainda, em relação ao fato de que a meta desejável é que o aquecimento da temperatura média não ultrapasse 1,5ºC. Então, cada país com sua responsabilidade, deve ser forçado por seus cidadãos e não se manter comprometido com o que, na produção e no consumo, é causante e agravante do aquecimento global que provoca as mudanças climáticas.

O que se pode e deve fazer é dar aos textos que reconhecem quão grave é a mudança climática para a humanidade um fórum público de profecia da Terra. É ela que, antes de todos e de tudo, está sofrendo os efeitos do aquecimento, que se manifestam, entre outros, nos desequilíbrios climáticos de secas mais prolongadas e chuvas que provocam enchentes, de frios e calores insuportáveis e mortíferos, de crises de água e energia. Ela, como expressa o apóstolo Paulo, está gritando em dores de parto, esperando ansiosamente que os filhos e filhas de Deus se manifestem, desejando libertar-se no mesmo processo de libertação dos humanos. [7] Ela é realmente Mãe da vida e luta para manter-se com a sua capacidade de parir mais e mais vida; mas, a partir da presença dos humanos em sua história, necessita de sua cooperação. Porém, para que as pessoas sejam os colaboradores da luta da Terra por seus direitos, que são realmente anteriores aos dos humanos, elas também devem sentir e gritar em dores de parto, mobilizando-se para alcançar sua libertação.

7. As migrações climáticas como profecia


A humanidade está passando por um tempo de contradições terríveis: produz alimentos para mais do que 12 bilhões de pessoas, mas convive com perto de um bilhão de pobres famélicos; tem conhecimentos e capacidade de produzir alimentos saudáveis, com a agroecologia, mas está submetida e interesses de laboratórios e indústrias transnacionais, e por isso grande parte de sua alimentação está cheia de venenos e produtos cancerígenos; com a riqueza produzida, todas as pessoas e famílias poderiam ter sua casa e uma vida tranquila, no campo ou nas cidades, mas o controle das terras no campo e nas cidades, através de uma apropriação comandada pelo princípio da livre iniciativa de marcado, condena a maior parte a não ter um mínimo espaço autônomo de vida e a pagar aluguéis insuportáveis; com as tecnologias disponíveis e com mudanças no estilo de vida, seria possível diminuir o consumo de energia e produzir toda a que é efetivamente necessária utilizando fontes não ou pouco contaminadoras, como o sol e os ventos, mas continua dominada pela indústria ligada a fontes fósseis; todos poderiam trabalhar menos tempo sem diminuição dos salários, mas a dominação econômica de empresas capitalistas os forçam a trabalhar com ritmos que substituem a muitos outros trabalhadores, e com isso, provocam aumento do desemprego e desvalorização do trabalho, impondo um ritmo de insegurança permanente e de competição entre os que têm oportunidade de trabalho e os excluídos.  

Nesse mundo, por que há tantas migrações, no interior dos países e a nível internacional? A velha Europa é seguramente o campo de pesquisa que poderá oferecer respostas seguras. Há migrantes voluntários: os que buscam oportunidades para melhorar seu nível de vida ou novos ambientes culturais. Há outros que foram expulsos pela violência das guerras, e nesse particular, é interessante investigar o que causa as guerras, os interesses presentes nelas; mas, pouco muda para as pessoas ou famílias que migraram: para elas, o essencial é sobreviver aos horrores das armas que a indústria bélica tem necessidade de torrar.

Em último lugar, mas não menos importante, aumenta a quantidade de migrantes que abandonam seus territórios de origem porque já não há condições de viver neles. São os migrantes climáticos. Segundo a Organização Internacional para a Migração, OIM, já em 2009 os dados disponíveis indicavam a possibilidade de que se chegaria, em 40 anos, a algo como um bilhão de migrantes climáticos. [8] O que se sabe é que a população desalojada pelas mudanças climáticas e por catástrofes naturais preocupa as autoridades mundiais. Estima-se que, desde 2008, cerca de 22,5 milhões de pessoas abandonaram suas casas, por ano, por causa de eventos extremos do clima – o equivalente a 62 mil casos diários. E este cenário pode piorar. [9]

O grave é que, ao contrário dos migrantes por causa de guerras, os que migram por causa das mudanças climáticas não são reconhecidos como exilados, e por isso não têm direitos reconhecidos. O que é certo é que eles não têm possibilidade de retornar aos seus territórios, e algo novo deve ser feito pela humanidade para garantir a vida e os direitos humanos destas pessoas, famílias, povos que são forçados a abandonar seus lares e terras por causa de eventos climáticos de responsabilidade mundial. Na realidade, o que acontece é que os mais empobrecidos, que pouco ou quase nada têm a ver com as causas antropogênicas das mudanças climáticas, são os que pagam o preço mais alto.

Por isso, como o da Terra, o grito dos migrantes climáticos tem um sentido profético: chama atenção sobre a urgência de transformações estruturais no sistema dominante em nível mundial para evitar que se agrave ainda mais o aquecimento e os eventos climáticos extremos. Como a Terra, também os migrantes climáticos necessitam que os filhos e filhas de Deus e da Terra se manifestem em seu favor, fazendo que este grito se torne tão forte que os responsáveis pelas decisões políticas dos países e do mundo não o possam silenciar.

8. Conclusão: o Acordo de Paris e a crise socioambiental

Para os lutam com os pobres e excluídos, a atitude em relação ao Acordo de Paris não pode ser nem de encantamento nem de negação. Não é o Acordo desejável e necessário, mas é um acordo, e quando lido com suas contradições, pode ser mais um dos apoios para as lutas pela superação da única crise socioambiental que marca a vida da humanidade no século XXI. Mas é certo que, dadas as debilidades em relação ao que se fará para evitar o pior, tanto nos países individualmente como a nível mundial, pouco do anunciado será realizado, e nada se avançará na direção do que é absolutamente necessário fazer sem a presença forte dos cidadãos e cidadãs, e particularmente dos que são pobres e estão submetidos a relações de exclusão, nas ruas e praças. O grito em favor de transformações profundas do sistema sociopolítico dominado pelos poderosos do livre mercado capitalista e pelo estilo de vida consumista deve tornar-se insuportável.
Além disso, e para concluir com indicação de algo essencial, é estratégico que os pobres e excluídos, com todas as forças e organizações que os apoiam, avancem na criação de formas de produção de alimentos, de energia e de tudo que é realmente necessário para uma vida digna, feliz e possível para todas as pessoas e povos que mantenham relações harmônicas com a Terra e relações de cooperação entre os seres humanos; avançando, então, na construção de sociedades de Bem Viver, como propõem e praticam os povos indígenas, as comunidades tradicionais e as comunidades voluntariamente organizadas. Isso somente é possível quando se respeita, ama e promove a biodiversidade, na certeza de que nós, os humanos, fazemos parte de uma grande comunidade de vida na e com a Terra, no e com o Cosmos, como recorda com insistência a Carta da Terra.

                                               Goiânia, 27 de fevereiro de 2016


[1] Ivo Poletto é filósofo, teólogo e sociólogo, atualmente assessor nacional do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, autor, entre outros, do livro Brasil – oportunidades perdidas – meus dois anos no governo Lula (Rio de Janeiro: Garamond, 2005).
[2] O GLOBO, 10/01/2016.
[3] OUTRAS PALAVRAS, 15/01/2016 - http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/o-financiamento-bilionario-dos-ceticos-do-clima/
[4] Ver el documento de OXFAM “Una economía para el 1%” en http://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/Informe%20Oxfam%20210%20-%20A%20Economia%20para%20o%20um%20por%20cento%20-%20Janeiro%202016%20-%20Relato%CC%81rio%20Completo.pdf
[5] Ver o Capítulo Sétimo da Constituição da República do Equador, aprovada pela Assembleia Constituinte, ratificada pelo Plebiscito Popular e publicada no dia 20 de outubro de 2008.
[6] Idem, Preâmbulo.
[7] Bíblia Sagrada, Rom 8,18-25.
[8] http://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,mudanca-climatica-causara-1-bilhao-de-migracoes-diz-relatorio,478612
[9] http://umaincertaantropologia.org/2015/10/05/desastres-naturais-forcam-migracoes-de-60-mil-por-dia-o-globo/

Certificação participativa de produtos orgânicos garante autonomia para agricolutores/as

20/04/2016

Os próprios/as produtores/as fiscalizam uns/umas aos/às outros/as, o que assegura a integração e a troca de conhecimentos
Tirar a certificação de produtos agroecológicos das mãos das grandes empresas terceirizadas e passar a tarefa para os/as próprios/as agricultores/as, num modelo compartilhado, horizontal, descentralizado e transparente. Essa é a Certificação Participativa em Rede (CPR), projeto desenvolvido pela Rede Ecovida de Agroecologia.

A certificação feita pelos/as próprios/as agricultores/as funciona através das Opacs (Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade), que são uma espécie de certificadoras formadas pelos próprios agricultores/as e por consumidores/as, comerciantes/as e técnicos/as.

A fiscalização das Opacs consiste em visitas técnicas às propriedades, com a finalidade de avaliar se na prática as normas estão sendo cumpridas e se os produtos orgânicos estão nas condições ideais. Essa fiscalização participativa permite que os/as agricultores/as troquem experiências, conhecimentos e dicas, o que é uma forma difundir conhecimentos sobre agroecologia.

O resultado é sentido no bolso do/a agricultor/a: a certificação por auditoria chega a R$ 3 mil anuais para cada produtor/a, enquanto a participativa fica na média de R$ 80. O ponto crucial é englobar os/as pequenos/as agricultores/as que não conseguem pagar pela auditoria no processo.

A Rede Ecovida de Agroecologia foi formada em 1998, pela necessidade de reunir forças e expandir o movimento agroecológico da agricultura familiar. São hoje 18 núcleos regionais, que reúnem aproximadamente 2 mil famílias em Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. A organização é formada pela sociedade civil (agricultores/as, consumidores/as, comerciantes/as, técnicos/as) e por ONGs, associações e cooperativas.

A experiência é parte dos primeiros projetos que integram o Banco de Práticas Alternativas desenvolvido pela Abong e pelo Iser – Assessoria, como parte do projeto Novos Paradigmas de Desenvolvimento.

Saiba mais sobre a experiência e conheça o Banco de Práticas Alternativas

Fonte: Observatório da Sociedade Civil

Novo projeto especial da Abong quer reunir práticas socioambientais inovadoras

Por: ABONG
Postagem: 13:30 08/05/2016

 
Banco de Práticas Alternativas visa dar visibilidade para experiências que ajudem a construir novo paradigma de desenvolvimento, socialmente justo e que respeite o meio ambiente

Reunir e divulgar experiências práticas que apontam para a construção de um novo paradigma de desenvolvimento que conjugue justiça social, radicalização da democracia e a convivência harmoniosa com o meio ambiente. Esse é o objetivo do Banco de Práticas Alternativas, novo projeto especial da Abong, realizado pelo Observatório da Sociedade Civil em parceria com o projeto Novos Paradigmas de Desenvolvimento.

No ar desde a última segunda-feira (4), com um acervo inicial de 30 práticas, o banco está aberto para receber contribuições de OSCs, movimentos e ativistas de todo o país. Para isso, basta preencher um cadastro on-line, que será posteriormente validade pela equipe da Abong.

Clique aqui para acessar o Banco de Práticas Alternativas


A diversidade das experiências é uma das riquezas que deverá emergir do cadastro. As práticas já incluídas são exemplos dessa diversidade, abrangendo desde a experiência de difusão da tecnologia das cisternas no semiárido ao desenvolvimento de mecanismos de crédito locais fora do sistema bancários tradicional, passando pela formação de redes para discussão dos problemas de uma metrópole e muitas outras.

“É urgente buscar um outro tipo de desenvolvimento que nos permita produzir aquilo de que necessitamos, respeitando os limites naturais e garantindo os ecossistemas. Isto não é uma utopia, é possível. E não são apenas ideias: existem já inúmeras iniciativas em diferentes áreas que comprovam que podemos fazer diferente, gerando uma qualidade de vida melhor”, diz o texto de apresentação do banco.

Tanto o cadastro quanto o mecanismo de busca foram pensados para facilitar a interação, incluindo informações que possam ser úteis para jornalistas, pesquisadores e para o público em geral.


Fonte: Acervo do Projeto Novos Paradigmas de Desenvolvimento, da Abong


O Projeto "Novos paradigmas de desenvolvimento: pensar, propor, difundir" visa a somar a capacidade de mobilização nacional e internacional da Abong, sua estrutura, credibilidade e representatividade com a competência acumulada pelo Iser Assessoria no tratamento teórico e prático do tema de desenvolvimento justo e sustentável por meio da articulação com especialistas nacionais e internacionais, Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e movimentos sociais de base a fim de contribuir para a construção e difusão de um paradigma alternativo ao modelo de desenvolvimento dominante. Saiba mais aqui e acesse outros conteúdos aqui.

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O meio ambiente como uma não-questão e a gestão ambiental no ABC paulista. Entrevista especial com Maurício Waldman
Fonte: ABONG

Sem Terra se preparam para a colheita do arroz agroecológico no RS

24/03/2016
A produção estimada para a safra 2015/2016 é em torno de 480 mil sacas, superior à do ano passado, que ficou em 450 mil sacas.

 

O desequilíbrio climático que paira sobre o Rio Grande do Sul nos últimos meses não desmotivou assentados da reforma agrária que planejam o início da colheita de arroz agroecológico, previsto para o dia 15 de fevereiro.

A produção estimada para a safra 2015/2016 é em torno de 480 mil sacas, superior à do ano passado, que ficou em 450 mil sacas. A área plantada é de aproximadamente 5 mil hectares em todo o estado, e hoje 556 famílias, de 13 municípios e 17 assentamentos, estão envolvidas no cultivo.

A 13º Abertura Oficial da Colheita do Arroz Agroecológico está marcada para o dia 18 de março, no Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, na região Metropolitana de Porto Alegre, onde 150 famílias produzem o alimento. Os assentados do município, organizados em 26 grupos, produzem mais de 1.600 hectares e serão os primeiros a colher arroz este ano.

Em 2015 o evento aconteceu em Eldorado do Sul e contou com a participação da presidente Dilma Rousseff. Além de outras lideranças e autoridades, ela será convidada a participar da abertura novamente este ano.

Enchente e estiagem

Mas, junto com a expectativa de início da colheita, os assentados também contabilizam perdas na produção devido às fortes chuvas do ano passado e estiagem deste mês de janeiro.

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Assentada há nove meses em São Gabriel, na região da Campanha, a agricultora Ana Paula Magni, 35 anos, conta que vai perder uma parcela da produção por causa das enchentes que danificaram e atrasaram o plantio.

“Comecei a plantar em dezembro do ano passado, quase dois meses depois do período ideal, e consegui concluir somente em janeiro deste ano. Sabemos que vai ser um ano difícil, mas não perco a esperança, pois essa também é a nossa sobrevivência”, afirma.

Inserida no Grupo Gestor do Arroz Agroecológico, junto a outras famílias do Assentamento Madre Terra, onde são cultivados cerca de 100 hectares do alimento, a assentada e outros Sem Terra do município enfrentam agora a estiagem.

“A nossa preocupação também é com a falta de água, pois não chove direito desde o início do ano e tivemos complicações na barragem. Agora a situação se inverteu”, lamenta.

Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) mostram que nestes primeiros 28 dias do mês choveu pouco mais de 55 milímetros em São Gabriel. Segundo o engenheiro agrônomo Edson Cadore, por mais que haja água armazenada o suficiente para a irrigação, a chuva é essencial para o arroz, pois contribui com nutrientes, principalmente o nitrogênio, melhorando o seu desenvolvimento e suas condições vegetativas.

Mesmo não sabendo exatamente quantas sacas vai render, a expectativa de Ana Paula, que desde a época de acampada tinha vontade de trabalhar com a agricultura limpa, está em torno da colheita, programada para o final de março e início de abril. Nesta sua primeira experiência, a camponesa plantou cinco hectares de arroz.

“Estes últimos meses estão sendo atípicos para todo mundo, mas não podemos desistir. Viemos do acampamento que exige de nós resistência e luta e quando chegamos no assentamento elas continuam. Vamos manter a fé e seguir apostando no arroz no próximo ano”, adianta a agricultora.

Além de São Gabriel, assentados nos municípios de Eldorado do Sul, na região Metropolitana, e Manoel Viana, na Fronteira Oeste, também tiveram lavouras de arroz prejudicadas com as enchentes. Em alguns casos 90% da produção foi perdida.

Bons resultados

O agricultor Edinei da Rosa, 47 anos, conta que no Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, a situação é menos delicada e muitas áreas darão bons resultados, apesar de os assentados também enfrentarem problemas com enchente e estiagem.

O grupo de oito famílias do qual Rosa participa plantou, entre outubro e novembro, 80 hectares de arroz. A previsão é colher, de fevereiro a março, cerca de 25 mil sacas do produto – 270 hectares. Na safra 2014/2015 os Sem Terra colheram 200 hectares.

“Algumas áreas do assentamento foram afetadas pelas enchentes do mês de outubro. Agora a barragem está baixa e teremos problemas se essa situação se estender por mais de 15 dias, porque o arroz está cacheando e se faltar água vai diminui a produtividade. Mas se tudo correr bem até a colheita, a tendência é que esta safra seja melhor que a do ano passado”, explica o assentado.

Auxílio aos produtores

Segundo o coordenador do Grupo Gestor do Arroz Agroecológico, Emerson Giacomelli, está sendo feito um levantamento dos prejuízos obtidos nas lavouras gaúchas. A estimativa é que, em todo o estado, as perdas cheguem a 12%.

Para Giacomelli, “a situação mostra que a preservação ambiental deve ser sempre priorizada, uma vez que o desiquilíbrio foge do controle e pode causar muitos problemas aos produtores e à população em geral”.

“Uma hora é excesso de chuva, outra hora é falta de chuva. Tivemos os dois problemas, mas isso reafirma que estamos no caminho certo ao produzirmos com respeito ao meio ambiente”, complementa.

O coordenador diz ainda que estão sendo discutidas formas de ajudar as famílias que tiveram sua produção comprometida com as enchentes. “Queremos criar condições para que nossos agricultores consigam viabilizar a sua lavoura e continuem produzindo arroz na próxima safra”, finaliza.

Investimentos

Para avançar na qualidade do arroz agroecológico, deve ser iniciada nos próximos meses a terraplanagem para implantação de uma agroindústria de arroz parabolizado no Assentamento Lanceiros Negros, em Eldorado do Sul. O valor do convênio, com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), é de R$ 20 milhões.

Por meio da prefeitura do município e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), também está prevista a construção de uma Unidade Básica de Sementes (UBS), no valor de R$ 4,5 milhões. Ela atenderá toda a produção de arroz do MST no estado.

Fonte: MST, por Catiana de Medeiros

Energia e os possíveis caminhos para 2050

Em encontro promovido para discutir o futuro energético do Brasil, Greenpeace apresenta cenário baseado em energia solar e com nível mínimo de emissão


Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de Clima e Energia do Greenpeace, apresentou as projeções da organização para a matriz energética brasileira até 2050 (© Alan Azevedo / Greenpeace)

Num contexto de mudança de produção de energia, a Plataforma Cenários Energéticos (PCE) surge para pensar novos rumos para a matriz energética brasileira nos próximos 35 anos, contemplando os estudos de instituições da sociedade civil. O primeiro encontro público foi realizado hoje, dia 26, em Brasília, com a participação de diversas organizações juntamente com o governo – este último representado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE).


24/03/2016
O Greenpeace foi uma das quatro instituições a apresentar um cenário para a matriz energética brasileira em 2050, baseado em seu estudo de 2013, o [R]evolução Energética. As outras três a exporem seus estudos e projeções foram a COPPE/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a SATC (Associação Beneficente da Indústria Carbonífera de Santa Catarina) e o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica).

Frente ao planejamento ainda em andamento do governo para 2050, as instituições se mostraram muito preparadas e capacitadas em suas exposições, embora vários pontos divergentes entre os quatro cenários tenham embasado a maior parte da discussão.

Dentre os quatro cenaristas, o Greenpeace é o que mais prioriza a energia solar. De modo geral, observa-se que os demais consideram como base da matriz energética do Brasil a fonte hídrica. Mesmo assim, todos os cenários indicam a importância de fontes renováveis como hidroeletricidade, solar e eólica e uma política de energia bastante calcada em eficiência energética.

“Apesar das diferenças entre as projeções, fica claro que o futuro do país depende do desenvolvimento e expansão da energia solar”, explica Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil. Porta-voz da ONG no encontro, Baitelo alertou que esse investimento em solar é para ajudar a atender a demanda energética com baixas emissões de gases de efeito estufa, gerando de centenas de milhares de empregos verdes.

Todos os cenários incluem, mesmo que em distintas proporções, fontes de energia constantes (térmicas, gás, carvão e nuclear), como forma de complementar a intermitência das fontes renováveis predominantes. O cenário do Greenpeace é um exceção: ele não adiciona ao Plano de Obras térmicas a carvão nem usinas nucleares.

As projeções do Greenpeace apresentam uma expansão de fontes térmicas mais moderada em relação aos demais cenaristas, valendo-se apenas de usinas à gás natural enquanto as demais fontes fósseis são na maioria desconsideradas. Essa estratégia de expansão corresponde com o objetivo do Greenpeace de reduzir a emissão de gases de efeito estufa e erradicar os riscos nucleares.

Sobre a geração hídrica, o Greenpeace não inclui em seu cenário hidrelétricas de grande porte ou qualquer que tenha reservatório. A PCE supõe que nos Planos de Obras com grandes hidrelétricas, a área impactada será a Região Amazônica. Diante disso, seria possível interpretar que as matrizes da SATC, COPPE e ITA resultariam em impactos de distintas proporções na região.

“A iniciativa da Plataforma de Cenários Energéticos é extremamente positiva para propor soluções alternativas aos planos governamentais”, atesta Baitelo. Para ele, é essencial aumentar o debate sobre as escolhas necessárias para chegar a 2050 com uma matriz de baixos impactos socioambientais e baixas emissões de gases de efeito estufa.

Fora todo o debate e proposições, no final do evento os participantes pontuaram a necessidade de incentivos e políticas efetivas para o desenvolvimento maciço da energia solar no Brasil, como a desoneração do ICMS e a melhora das condições propostas pela resolução 482/2012 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Fonte: Greenpeace

Pesquisadores defendem linhas de financiamento para energia solar - EBC

13/04/2016

Pesquisadores brasileiros em energia solar defendem a criação, pelo governo, de linhas de crédito especial para a aquisição de equipamentos e a instalação de energia solar fotovoltaica (que transforma energia solar em energia elétrica) em residências. O tema foi discutido durante a 1ª Escola Internacional de Energia Solar, que ocorreu na última semana na Universidade de Brasília (UnB).

Para o professor da UnB Rafael Shayani, um dos organizadores do evento, esse modelo de microgeração distribuída, com a instalação de painéis nas casas, é bem promissor, pois não ocupa grandes áreas como as usinas solares, e o excedente de energia é enviado à rede pública, em um sistema de compensação. “Poucas pessoas sabem disso, é como se o relógio rodasse para trás. Com essa expectativa de que a energia elétrica vai subir 40%, a solar não vai ficar mais tão cara, se houver subsídio do governo”, disse.
Shayani explica que isso não vai ocorrer da mesma forma em todo o país. Segundo ele, em Minas Gerais, por exemplo, há mais procura porque é um estado com incidência solar favorável e onde o preço da concessionária de energia é mais alto, então o retorno do investimento será mais rápido.

Segundo o professor da Universidade Federal de Santa Catarina Ricardo Rüther, investir em geração de energia não é papel do consumidor final, mas é ele quem acaba pagando a conta, então precisa de condições de financiamento. “É um assunto que não está bem equacionado no Brasil. O financiamento é o gargalo. Comparando com a indústria automobilística, se o consumidor é bom pagador, hoje ele sai da concessionária com carro financiado até com juro zero. Como consumidor de energia elétrica, todo mundo é bom pagador, então por que não posso entrar em uma loja e sair com um contrato, para inclusive gerar recursos para pagar um telhado solar?”

Rüther explica que o investimento em um sistema de energia solar fotovoltaica é maior que no de aquecimento solar, usado geralmente em chuveiros, e pode variar de R$ 12 mil a R$ 15 mil, de acordo com a média de consumo das famílias. O retorno financeiro desse sistema vai variar de cinco a dez anos, com o uso de um equipamento que vai durar 25 anos em média.

De acordo com o professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Fernando Martins, o Brasil já tem regulamentação para o uso dessa energia, então as pessoas só dependem de mais incentivo e informação. “O benefício é a longo prazo, com o tempo as famílias vão economizar e ajudar o país a enfrentar uma crise hídrica, consumindo a energia da própria residência, enquanto os reservatórios possam ser enchidos”, disse.

Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) indicam que existem hoje no Brasil 317 empreendimentos em operação gerando energia solar fotovoltaica, com potência de 15,1 mil kilowatts (kW), 0,01% da energia utilizada no país. As usinas hidrelétricas produzem 62,55% da energia consumida.

Essa foi a primeira de três escolas internacionais, um projeto que envolve várias instituições para a disseminação do conhecimento das tecnologias de energias renováveis. “Tivemos um público de 300 pessoas, a maioria estudantes. A ideia da escola é fomentar a capacitação de recursos humanos. A escola está desmistificando o uso da energia solar. O Brasil tem uma visão conservadora, talvez pouco inovadora, que ninguém vai saber usar, mas existem dezenas de países que já a utilizam há 25 anos”, disse Rafael Shayani.

Para Rüther, apesar dos incentivos do governo e dos projetos estratégicos da Aneel, essa é uma área muito carente de mão de obra. “Precisamos dessa massa crítica. Essas novas gerações incluem os tomadores de decisões do futuro, que vão, então, fazer isso de forma mais acertada.”

Fernando Martins explica que os impactos ambientais da geração fotovoltaica são bem menores do que de qualquer fonte de energia, e a integração urbana em telhados é uma ótima saída e não necessita de infraestrutura de transmissão. “Mesmo uma grande usina fotovoltaica não traz mais danos que uma hidrelétrica, conseguimos a mesma energia com área muito menor e podemos também usá-la para outros fins, por exemplo, se a área tiver também um potencial eólico. Uma forma não prejudica a outra, existem tecnologias de aproveitamento.”

“O importante é deixar claro que o Brasil tem recursos renováveis suficientes para atender à demanda de energia elétrica do país. Precisamos criar alternativas e informar às pessoas o potencial que temos”, argumentou Martins.


Fonte: EBC

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Carta final do Seminário Nacional clama pela proteção à Mãe Terra



A luta contra a exploração irresponsável dos recursos naturais do planeta por parte dos grandes capitalistas e suas consequências sobre as mudanças climáticas é o principal destaque da carta-resultado do Seminário Nacional realizado pelo Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social (FMCJS). Confira a íntegra do documento:
Seminário Nacional do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social
PRECISAMOS REESCREVER O FUTURO
AGORA!
Viemos de todos os estados brasileiros, do Distrito Federal, das comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, da agricultura familiar, das cidades, dos movimentos sociais e populares do campo, das florestas, das águas e das cidades, todxs violentadxs por projetos extrativistas e de infraestrutura como hidrelétricas, termoelétricas, energia eólica e nuclear, transposição de rios, mineração, pecuária, extração de fontes fósseis (convencionais e não convencionais), expansão da monocultura e do agronegócio, agrotóxicos, projetos de créditos de carbono, desastres ambientais que geram migrações forçadas e projetos urbanos que expulsam comunidades. Em Brasília, no Seminário Nacional do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social, de 25 a 28 de outubro de 2016, refletimos sobre as mudanças climáticas, socializamos os gritos, nos fortalecemos para enfrentar os mega-projetos patrocinados pelo sistema capitalista, por meio de corporações e governos que atentam contra a vida da Mãe Terra, de suas Filhas e Filhos.
Motivadxs pela espiritualidade dos povos da floresta, das águas, do campo e das cidades, em uma só voz denunciamos as faces desse desenvolvimento perverso, que produz o Ecocídio, o Etnocídio e o Genocídio da Mãe Terra e alimenta o capitalismo financeirizado, globalizado e agressivo. Denunciamos a falácia da “Economia Verde”, que mercantiliza e privatiza rios, oceanos, florestas, o ar e a Mãe Terra, expulsando suas filhas e filhos em favor de projetos que produzem morte cultural, econômica, social e organizacional de povos e comunidades tradicionais, camponeses e comunidades urbanas.
Somando-se à voz dos povos originários, a ciência revelou que chegamos a uma nova época geológica, chamada de ”Antropoceno”. Nele, a humanidade, com uma responsabilidade bem maior por parte dos mais ricos e que mais consomem, tornou-se uma força indutora de impactos profundos e irreversíveis em escala global. Impactos que incluem a 6ª grande extinção de espécies da história terrestre, um domínio destrutivo sobre a maior parte das terras e da água doce, a acidificação dos mares, a destruição da camada de ozônio. Incluem, sobretudo, uma radical mudança do clima da Terra provocada pelo aumento exponencial da concentração dos gases de efeito estufa pela queima de combustíveis fósseis, desmatamento, etc. São frutos envenenados de uma economia da morte.
As mudanças climáticas já aumentaram em 1,2oC a temperatura do planeta desde o início da era industrial, provocando efeitos extremos, tais como furacões, secas, tempestades, ondas de calor, elevação crescente do nível do mar. Ameaçam a vida de milhões de seres humanos e de outras espécies. É o maior desafio jamais posto diante da humanidade. Precisamos agir para deter essas mudanças. O causador destas aflições é o modo capitalista de desenvolvimento, que prioriza o lucro e a acumulação, e não o atendimento das reais necessidades materiais e imateriais da humanidade, que confunde desenvolvimento com mero crescimento físico. Estamos perto de esgotar os bens naturais e é urgente determos a voracidade do crescimento capitalista. Constatamos que, sem superar o sistema do capital, o Planeta mergulhará no caos e a vida nas formas conhecidas desaparecerá. Para viver, precisamos de alimentação boa e saudável, beleza e amor, e não de alimentos e água contaminados, pobreza e egoísmo. A produção contínua de desigualdades sociais e a destruição de comunidades humanas e seus modos de reprodução ampliada da vida tornam o sistema insustentável. De quanto tempo a fração privilegiada da humanidade vai precisar para descobrir que não se come dinheiro nem se bebe petróleo?
O predomínio antagônico do homem sobre a mulher e sobre a Mãe Terra, de nossa espécie sobre as demais, do capital sobre o trabalho, da riqueza material sobre a não material, da ilusão de que a técnica resolve tudo, e das corporações sobre os povos da Terra anula o sentido participativo da democracia. Reconstruir as sociedades humanas de baixo para cima começa com a organização de comunidades intencionais onde as pessoas vivem e trabalham. Produzir e consumir localmente; partilhar solidariamente nossos excedentes; promover saúde coletiva; garantir espaços de mobilidade ativa, ferrovias para passageirxs e cargas, e transporte público includente, multimodal e de qualidade; assegurar terra para quem dela necessita para viver e trabalhar; universalizar a permacultura, a agrofloresta e a agroecologia; acolher os que sofrem as mazelas espalhadas pelo capital; receber refugiadxs climáticxs com braços, portas e fronteiras abertas para a partilha; construir uma economia do suficiente (bens materiais), e da abundância em qualidade de vida – lazer, comunicação, artes, amizade, amor, felicidade, criando o ambiente político, social, natural e espiritual propício para que cada pessoa desenvolva sempre mais plenamente seus potenciais individuais e coletivos – este é o sentido maior da vida humana.
A economia da vida promove a descentralização do poder político, econômico e cultural, e a valorização da unicidade (comunidade da vida que habita a Casa Comum) e da diversidade humana e biológica. Promove o empoderamento das comunidades para planejarem e implementarem o seu próprio desenvolvimento de forma autogestionária,  solidária, sustentável, e articuladas entre si em escala sucessiva até o âmbito nacional e global. Com a posse compartilhada dos bens produtivos e o planejamento participativo superam-se os riscos da superprodução, do descarte e da especulação; em vez da privatização, o cuidado e a partilha dos bens comuns. A matriz energética se reerguerá num modelo descentralizado de produção e consumo da escala comunitária até a nacional. A educação para a vida ensinará valores e métodos da partilha dos bens produtivos e da troca solidária, ou doação dos excedentes, da reciprocidade voluntária, da restauração e da conservação dos ecossistemas.
O futuro escrito pelo capital é de destruição e morte, mas já está sendo reescrito na sabedoria representada pelos povos originários e demais comunidades tradicionais, e por outras formas de comunidades intencionais, como comunidades camponesas, ecovilas e ecocidades. Aprendamos com eles o modo de vida simples, compartilhado e rico de tradições ancestrais, o seu cuidado com o meio natural e a sua espiritualidade enraizada na Mãe-Terra, na perspectiva da construção de sociedades do bem viver!

Brasília, 28 de outubro de 2016

Abraços,

Marcos Arruda
PACS e Rede Jubileu
Rede Diálogos em Humanidade